Quando chego na escola de Lina, o portão já esta fechado. Não tem alma viva no
pátio. Tudo esta irremediavelmente fechado.
Agora estou realmente com medo.
Desço do táxi para dar uma olhada na vizinhança, na esperança de que ela não
tenha se afastado da escola. Mas é inútil. Não há sinal de Lina ou pelo menos de um
colega ou de um professor a quem pedir notícias.
Fico me sentindo uma idiota, indigna de confiança. Desta vez, Jenna vai ficar
realmente furiosa. E com toda a razão desse mundo.
Está quase escuro. O que posso fazer?
— Lina? — chamo desesperada. E obviamente não obtenho nenhuma resposta.
Não posso procurá-la por toda a cidade. Pode estar em qualquer lugar. O
melhor é ir para casa. Talvez ela também tenha ido para lá. Minha esperança é que
tenha se lembrado do caminho, afinal é um roteiro que ela conhece melhor que
ninguém.
Quando penso como é pequena e indefesa e que ainda por cima não fala, tenho
vontade de morrer com minha falta de responsabilidade.
Vou encontrá-la. Vai estar em casa. Tem que estar em casa!
Não ouço e não vejo ninguém a meu redor. Penso só em Lina, e rezo.
Faço o percurso mais longo da minha vida, num ônibus que nunca pareceu tão
lento. Um século depois, chegamos. Vou me enfiando pela porta assim que ela
começa a abrir e machuco o ombro. Não importa. Só quero encontrar minha irmã sã
e salva. Corro pela rua o mais rápido que posso até a porta de entrada do edifício.
Tem alguém encolhido num degrau embaixo do interfone. Não posso acreditar: é
Lina!
Corro para ela com lágrimas nos olhos e aperto seu corpinho nos braços.
— Desculpe, pequenina, desculpe! Aconteceu de tudo, mas não podia ter
esquecido você. Me perdoe!
Ela também me aperta, com os bracinhos macios ao redor do meu pescoço. Tem
os olhos molhados e vermelhos de chorar. Tadinha...
— Venha, vamos para casa. Vou preparar um banho bem quentinho e um
chocolate quente para você. Quer?
Ela faz que sim. Está gelada, assustada e provavelmente muito cansada também.
Não há ninguém em casa. Acendo a luz e vou até o banheiro para encher a
banheira. Lina foi até seu quarto pegar a boneca preferida, aquela que Evan decapitou
e que Jenna conseguiu ajeitar por milagre.
— Tire a roupa e me espere no banheiro, assim não fica com frio. Coloquei
espuma com cheirinho de framboesa na água, como você gosta. Já estou chegando
para fazer um monte, um montão de espuma!
Ela sorri e faz o que mandei.
Só Lina é capaz de despertar esse meu lado doce e protetor. Não sou assim com
mais ninguém. Contudo, fui capaz de me esquecer dela.
Para pedir perdão, vou deixar que tome na banheira o chocolate quente que
estou preparando. Só hoje.
‚O cheiro está ótimo', penso satisfeita, servindo o líquido cremoso e escuro na
caneca com orelhas de elefante que é justamente a caneca do chocolate.
No banheiro, Lina está me esperando sentada pacientemente na beira da
banheira. Coloco o chocolate em cima da pia e começo a sacudir a água para
aumentar a espuma, a parte mais divertida do banho.
— Vamos, pegue o chuveirinho e mexa assim, para lá — digo, mostrando como
fazer.
Em poucos segundos, uma montanha de espuma branca e perfumada ganha
vida, crescendo como algodão-doce. Lina brinca, passando a espuma de uma mão
para a outra.
— Dentro, antes que desmonte!
Ela entra lentamente, mergulhando a ponta dos dedos de um pé para testar a
temperatura. Retira e tenta de novo, divertida. Finalmente, entra com as duas pernas
e bate os pés no fundo da banheira.
— Quente demais?
Faz que sim. Deixo escorrer um pouco de água fria e agito com o braço para
misturar com a quente.
Quando Lina senta no fundo da banheira com a água lambendo seu queixo,
passo a caneca-elefante para ela.
Dois bigodinhos marrons se desenham dos lados da boca depois do primeiro
gole e me convenço de que tive uma boa ideia com o chocolate.
Alguns minutos mais tarde ouço a porta de casa se abrir.
— Alguém em casa? — diz a voz de Jenna.
Levanto para falar com ela, mas Lina segura meu braço.
Coloca a caneca na borda da banheira e um dedo em cima da boca.
— Não quer que eu fale?
Sacode a cabecinha molhada para cima e para baixo.
— Tem certeza?
Faz que sim de novo, com mais força. E estica o mindinho para mim.
Faço o mesmo. Entrelaçamos nossos dedinhos.
— Obrigada, Lina.
Hoje é o dia dos pactos, das coisas que devem ser ditas e daquelas que é melhor
calar. Mas será verdade que dar corresponde necessariamente a receber? Talvez não,
mas só num mundo perfeito. E esse definitivamente não é.
Só agora, depois que o desastre com minha irmã foi resolvido, é que me lembro
da foto que Agatha me deu. Tiro do fundo do bolso e aperto contra o peito. Só quero
olhar quando estiver sozinha, em meu quarto.
Depois de fechar a porta às minhas costas, respiro profundamente olho a foto.
Não pode ser! O cara na foto... é o sujeito que encontrei no ponto ônibus da
estação, aquele que me deu seu maço de cigarros! Será ele o assassino de Halle?!
Os cigarros... como é que não pensei antes? Deve ter alguma coisa naquele
maço. Tiro da mochila e examino por alguns instantes, meio paralisada, como se não
quisesse saber realmente o que contém. Abro em seguida. Vejo alguns cigarros e um
bilhete. Leio: ‚Fique longe da água!'