Quando nada do que acontece com você vai no bom caminho, a única coisa que pode
fazer é se dar de presente um monte de fofocas com as amigas diante de um bom
café. E esperar que isso a ajude, pelo menos durante algum tempo, a tirar da
consciência o peso de ter que salvar a vida de alguém.
Portanto, aqui estamos nós, ao redor de uma mesa do Zebra Bar. Seline com os
olhos sonhadores de quem vê um novo amor no horizonte, Naomi com os olhos
desencantados de quem acabou de passar por um grande sofrimento, e eu que não
quero, e provavelmente não conseguiria, ver olho algum nos próximos mil anos. Por
sorte, os olhos de minhas amigas não me assustam.
Pedimos três cafés puros a um garçom que nunca tinha visto antes. O garçom
bronzeado deve estar de folga, penso comigo. Nenhuma de nós tem vontade de
tomar o famoso café Zebra. Eu em primeiro lugar, pois meu estômago está
embrulhado desde a manhã.
— Por acaso vocês têm um calendário? — pergunto ao garçom.
Minhas amigas me olham espantadas.
— Acho que sim. Já vou ver — responde, antes de se afastar.
— Desculpe, mas por que não olha na agenda? — comenta Naomi.
— Porque a agenda não tem as fases da lua.
E o que quer com as fases da lua? — pergunta Seline, que parece estar no piloto
automático.
Preciso inventar rapidinho uma explicação razoável.
— Porque... quero cortar o cabelo e ouvi dizer que tem que ser cortado na lua
crescente, se não quer que demore um século para crescer de novo.
— Uau! Não sabia. Pensei que só funcionasse com a depilação! — exclama
Seline.
Naomi olha para ela espantada. Deve estar se perguntando se a amiga é mesmo
real ou uma invenção de sua mente sofrida.
Seja como for, a desculpa cola.
O garçom retorna em seguida com um calendário de mesa, de espiral, daqueles
que ficam de pé, abertos como um livro abandonado. Agradeço e espero encontrar o
que estou procurando.
Não há dúvida: a lua hoje ainda é crescente, só vai estar cheia depois de amanhã.
O assassinato vai acontecer daqui a duas noites, se eu não fizer nada para impedir.
Num certo sentido, fico aliviada ao verificar que não vai ser hoje. Sei que não é
nada, mas um pouco de tempo sempre ajuda a organizar melhor as ideias. Além
disso, tenho que confessar que, embora seja uma menina como eu, estarei
enfrentando uma assassina. E esse pensamento me enche de terror.
Devo ter deixado transparecer alguma coisa do que estou pensando — acabei
me transformando numa espécie de peneira que deixa passar as emoções —, porque
Naomi comenta:
— Parece muito preocupada com esse corte de cabelo...
— Não está pensando em raspar a zero, está?
— Claro que não, Seline. Estava só pensando na vida, não no cabelo.
Seline me lança um olhar de cumplicidade.
— Está pensando em Morgan?
— Também. É um período de muita mudança, inclusive lá em casa, e tenho a
impressão de que não vou conseguir controlar tudo. Sempre achei que os
acontecimentos na vida de uma pessoa não eram ligados entre si: comprar uma
rosquinha com açúcar hoje não tem nada a ver com ser atropelada por um carro
amanhã. Mas não é bem assim, porque o açúcar pode me dar dor de dente e terei que
ir ao dentista; o consultório do dentista fica numa rua movimentada que terei que
atravessar e alguém pode me atropelar. Resumindo, estou começando a perceber que
existe um fio muito sutil e invisível que liga tudo. Cada ação realizada altera o
movimento geral das coisas que giram a seu redor.
— A famosa história do efeito borboleta — comenta Naomi. Que borboleta?
Não estou entendendo mais nada.
— Dizem que quando uma borboleta bate as asas na China, provoca um furacão
do outro lado do mundo.
— Imagine!
— Não quer dizer que seja exatamente assim, Seline, mas acho que Alma está
certa. E também é verdade que o mal atrai o mal e o bem atrai o bem.
Você tem toda a razão, Naomi.
— Por isso — continua ela —, na esperança de que seja uma boa decisão,
resolvi ir embora.
— É mesmo? Para onde? — pergunta Seline.
— Vou ficar na casa de minha tia, na praia. Meus pais acham que uma mudança
de ares vai me fazer bem, depois de tudo o que aconteceu.
— Não estão totalmente enganados — comento. — O processo foi barra-
pesada, e teve também o período anterior, com a terapia, a denúncia...
— Eu ficaria doida por muito menos.
— Você é doida por muito menos, Seline — observo. Em seguida, volto a
Naomi. — E quando vai ser?
— Nesse fim de semana. Vou ficar um mês fora, mais ou menos.
Seline arregala os olhos.
— Como vai fazer com a escola?
— Meus pais falaram com o diretor. Vou pegar a matéria e os deveres pela
internet.
— É mesmo? Então eu também posso fazer isso.
Por sorte, Naomi resolve responder, evitando que eu parta para a ignorância.
— Scrooge só vai abrir uma exceção no meu caso, Seline, por causa do que
aconteceu, do trauma que sofri, entende?
— Mas eu também sofri um trauma.
— Então tente pedir a ele — rebate Naomi secamente.
Parece tão imperturbável agora, como se todas as angústias e preocupações
tivessem abandonado seu corpo, deixando-a como um saco vazio, meio frouxo, mas
livre do peso por fim.
— Tem uma coisa que queria fazer antes de ir.
— O quê? — pergunto.
— Queria visitar Agatha. Pensei muito nela nos últimos tempos. Por mais
absurdo que pareça, me senti muito próxima dela. A dor tem mais poder do que a
gente imagina.
Sei muito bem o que quer dizer.
— Já estive lá — confesso.
— É mesmo? — pergunta Seline, que no dia de hoje não consegue dizer outra
coisa.
— Queria ver com meus próprios olhos como ela estava.
— E como está?
— Bem, Naomi, está como qualquer um ficaria numa prisão. Está mais
magra...
— Ainda mais magra? — intervem Seline, que salta ao ouvir essa palavra como
se despertasse de uma hipnose.
Não dou atenção e continuo. Enquanto isso, minha cabeça balança numa
gangorra: ‚Conto ou não conto?'
— Está com uma cara sofrida e sem brilho nos olhos.
— Estranho — observa Naomi —, pensei que ia estar furiosa com a situação e,
sobretudo, com a pessoa que a denunciou.
— Será que algum dia vai saber quem fez isso?
— Não sei, Seline. Mas o fato é que não gostaria de estar no lugar dessa pessoa
quando Agatha sair da prisão.
— Era o que eu também achava, mas depois de conversar com ela tive que
mudar de ideia.
— Como assim? — pergunta Seline.
— Ela queria ser detida, mesmo que inconscientemente. Acho que seu carinho
pela tia era sincero e imagino que se sentiu muito sozinha depois de sua morte. E
muito assustada com o que poderia acontecer com ela dali em diante.
— Sempre teve um temperamento solitário — observa Seline.
— É, mas acho que sofria muito mais do que demonstrava. E de qualquer jeito,
garanto que não tem ódio da pessoa que a denunciou. Está com muita raiva do
mundo, da vida que lhe deram, que nunca escolheria.
— Acha mesmo que alguém nos dá uma vida? — pergunta Naomi.
— Acho que nos dão um início, um ponto de partida. Daí em diante, a escolha
é nossa. Tudo está em nossas mãos. A sorte e o azar estão ligados ao modo como
agimos, como disse antes.
Concordo. E, na minha opinião, toda essa raiva pode ser perigosa — comenta
Naomi, que, depois do que passou, virou uma espécie de autoridade no assunto.
— É. Tenho medo de que, atrás das grades, a situação acabe piorando ainda
mais.
— Como diz o dr. Mahl, as pessoas ficam loucas nos hospícios.
— Eu não quero ir. Agatha sempre me deu arrepios. E agora mais ainda.
No fundo, a atitude de Seline é compreensível.
— Se quiser, tinha pensado em visitá-la de novo justamente hoje — proponho a
Naomi. Na verdade, não tinha programado nada, mas nosso último encontro foi
interrompido de uma maneira ruim e saí de lá com a impressão de que Agatha sabia
de alguma coisa que poderia me ajudar.
É verdade que, junto com Naomi, não vou poder perguntar o que quiser, mas
talvez dê para fazer dois encontros separados. Também posso lhe contar tudo o que
aconteceu. Precisava tanto desabafar com alguém... Estou me sentindo muito sozinha
depois que Morgan sumiu, embora a sua carta tenha me dado esperança de que as
coisas mudem em breve. E de que logo saberei toda a verdade, também sobre ele.
— Por mim, tudo bem.
— Vocês são malucas — comenta Seline.
Naomi não dá bola e muda de assunto.
— E como vão as coisas com Adam?
Adam, que ultimamente está ainda mais estranho...
— Somos amigos, isso é tudo.
— E andam de mãos dadas só porque são amigos? — comento.
— Não estamos juntos, se é isso que querem saber. Bem que eu gostaria...
— Mesmo depois de tudo que ele fez? É a mesma coisa que eu me interessar por
Tito! Só o nome já me dá nojo.
— Não dá para comparar as duas coisas, Naomi. E talvez Adam tenha
realmente um lado positivo — afirmo me lembrando do nosso acordo.
— Positivo? Tem certeza do que está dizendo, Alma? Esqueceu o modo como
se comportou com Seline? De como sempre foi metido e machista com todas as
meninas? A arrogância que demonstrou até no rio?
— O que fizemos no rio é uma coisa que não pode se repetir. A gente errou ao
atacá-lo. A violência não leva a nada.
— Para quem sofreu, a violência leva ao nada, isso sim! — Naomi tem os olhos
duros e lúcidos.
— Adam não vai mais fazer mal a nenhuma de nós — garanto. mais como um
desejo do que como uma certeza. Nem eu sei muito bem o que pensar dele. Mas os
últimos acontecimentos fizeram com que aceite pelo menos a possibilidade.
Quando as xícaras ficam vazias, levantamos e saímos do bar. A conversa não foi
relaxante como imaginei. Ainda existe muita tensão flutuando entre nós. Fico me
perguntando quando isso vai terminar.
— Bem, tchau, meninas. Boa sorte, acho que vão precisar — se despede Seline,
com o tom fatalista de uma vidente.
— Vai dar tudo certo, pode ir sossegada — eu a acalmo.
— A gente se vê amanhã na escola — cumprimenta Naomi, mas é evidente que
sua cabeça está em outro lugar. Talvez já esteja naquela prisão.
Em companhia da minha.