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— Não! Não! — grito desesperada.

Dou um pulo e fico em pé na cama, como se o colchão estivesse pegando fogo.

Com os olhos escancarados, observo ao redor e reconheço os contornos do meu quarto

na penumbra. Passo uma mão pela testa gelada.

Mais um pesadelo! Que horas serão? A persiana deixa entrar muita luz, já deve

ser de manhã. Estou arrasada. Procuro o interruptor do abajur e acendo. São sete

horas, diz o meu velho e gordo despertador. Saio imediatamente em busca do

caderno roxo. Devo ter escrito mais um conto. Droga! Onde estará? Que dor de

cabeça! O quarto gira a meu redor como se fosse um carrossel.

Revisto a escrivaninha, o armário, o chão, centímetro por centímetro,

espirrando por causa da poeira. Detesto carpete! E a poeira me lembra o protagonista

desse último pesadelo. Um escritor. Um publicitário, uma redatora, um engenheiro

e agora um escritor. Fico me perguntando se essa história tem algum sentido ou se

não passa de uma brincadeira cruel de uma mente que mergulha na loucura.

Embaixo da cama tem de tudo: bolsas, jornais, uma velha caixa de fotos e cartas,

menos a de Morgan, que está na mochila. Afasto os objetos com raiva. Estou cansada

dessa situação que só faz piorar! Em seguida, vejo o caderno: está no chão, enfiado

entre a parede e a cama. Devo ter deixado cair quando acabei de escrever. E a caneta

está a seu lado. Os raios de seu corpo brilhante atravessam até a sombra.

— O que está fazendo aí embaixo, Alma? — pergunta Jenna, que acabou de

invadir meu quarto sem bater, claro.

Com o susto, bato com a cabeça na trave da cama. Se pelo menos quebrasse essa

maldita cabeça poderia saber o que tem lá dentro! Largo o caderno e a caneta

embaixo da cama. Não posso correr riscos.

— Já pedi para bater antes de entrar! — observo, ficando de pé.

— Desculpe, esqueci.

— Acho que nunca se lembrou!

— Como está briguenta hoje! Dormiu mal?

Nem me dou ao trabalho de responder. Acho que basta olhar para mm.

— De fato, está com uma cara horrível. Tome um bom banho e verá que vai se

sentir muito melhor depois.

— Obrigada pelo conselho. O que quer?

— Ah, pode ir pegar Lina na escola hoje? Trocaram meu turno e não vai dar

tempo de chegar.

— E Gad? Ele não pode ir?

Jenna parece sem graça.

— Não. Quer dizer... a gente não tem se visto muito...

Então eu tinha razão: houve algum problema entre os dois. Não que me

importe, ou melhor, só me importa porque tenho de fazer as coisas que ele fazia

antes.

Nesse caso, porém, se trata de Lina.

—Tudo bem.

— Às quatro. Não vá esquecer, por favor.

—Já entendi. Não sou idiota. — Só estou mortalmente apavorada e mais

confusa do que nunca. Não vejo a hora de Jenna sair do meu quarto para reler o que

escrevi, na esperança de encontrar algum detalhe que me leve até esse homem, o tal

escritor.

— Vou me arrumar. A gente se vê à noite. A propósito...

Viro para ela esperando que acabe a frase, mas ela fica em silêncio.

— O quê?

— Nada.

Anda meio estranha ultimamente. Depois que sai do quarto, fecho a porta atrás

dela, giro a chave na fechadura e vou pegar o caderno.

Respiro profundamente e começo a ler.

Que sujeito extravagante esse escritor, penso. Seu protagonista se chama

Giona... Talvez encontre alguma coisa sobre ele na internet. E continuo a ler, bem

devagar: a verdade é que tenho medo de chegar ao final, de descobrir que ele

também vai morrer.

Também fico espantada, como David, ao ver uma moça aparecer em sua porta

àquela hora. Acho que é o sonho de todo homem, uma linda mulher pedindo abrigo

no coração da noite.

Parecia uma bonequinha, com o oval perfeito do rosto emoldurado por cachos

deliciosamente infantis e os olhos azuis, claros e poéticos.

Não sei por quê, mas essa descrição me dá arrepios. E começo a vê-la no exato

momento em que os olhos se tornam afiados, cruéis, a expressão meiga do rosto se

deforma numa careta desumana, os cabelos vibram como fios elétricos enlouquecidos

e a mão delicada se contrai, dura, num aperto...

Fecho o caderno roxo com um golpe. Respiro com dificuldade.

Pego a caneta e enfio tudo na mochila.

Resolvo seguir o conselho de Jenna e me enfio no chuveiro quente.

Saio de lá mais calma. O banheiro está mergulhado numa nuvem de vapor com

perfume de baunilha.

Olho meu rosto no espelho embaçado. Não vejo nada. Lentamente, dois

pontinhos abrem caminho na superfície nebulosa. E crescem até se transformarem

em dois discos que refletem dois olhos. Olhos claros, claros demais, que não são os

meus. Olhos diabólicos que tentam me atrair. Não consigo parar de encará-los. Tem

alguma coisa dentro desses olhos. E água, uma imensa extensão de água cinzenta.

Sinto a cabeça pesar e um chiado, um zumbido nos ouvidos, como se estivessem

cheios de moscas. Tento me afastar, mas minha vontade é fraca. Os olhos são tão

magnéticos, a água é tão convidativa...

De repente, um toque. Pele sobre pele. Uma mão em meu braço. Estremeço,

como se fosse percorrida por um choque. Viro e vejo Lina. Seus olhos estão cheios de

terror. Dou mais uma olhada para o espelho, mas agora só vejo meu próprio rosto.

A mão de Lina é quente e não larga meu braço. O que houve comigo? De quem

eram aqueles olhos?

— O que houve, pequenina? — consigo perguntar. Não sei qual das duas está

mais perturbada.

Ela não diz nada. Fica ali, na minha frente, e continua com a mão quente em

meu braço. Sem saber como nem por quê, fico calma.

Pouco depois, Jenna também chega.

— Onde você se meteu, Lina? Precisamos ir, senão vou chegar atrasada no

hospital. — Olha uma e outra. — Está tudo bem, meninas?

Não, não está nada bem.

— Pensei que já tinham saído — digo, tentando parecer natural.

— Já estávamos na porta quando Lina parou de repente, tirou o casaco, largou a

pasta e correu para cá.

Olho para Lina, que sorri para mim. Mas não é o seu sorriso de sempre, é uma

coisa meio amarga. Como se também tivesse visto aqueles olhos dentro do espelho.

Não, é impossível. Mas, então, por que está aqui?

— Vamos, Lina, ande logo.

Ela larga meu braço e vai embora com Jenna, sem uma palavra, como sempre.

Fico sozinha, com aqueles olhos terríveis gravados na mente e uma nova morte

anunciada no coração.