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O salão que se estende diante de mim é no mínimo surrealista.

Enorme, ocupado quase por inteiro por quatro piscinas gigantescas,

retangulares e cheias d’água. O chão e as paredes são revestidos de pequenas pastilhas

azuis, como os ladrilhos das piscinas de antigamente, que param mais ou menos a

um metro do teto descascado e cheio de manchas de umidade. Logo acima da faixa

de ladrilhos, grandes lâmpadas circulares revestidas de grades de ferro projetam

gaiolas gigantescas na superfície das águas.

Chego mais perto com cuidado, sem perder Morgan de vista um segundo.

A superfície da primeira piscina, que fica bem na frente da porta, está coberta

por uma fina camada gelatinosa e esverdeada que parece um gramado depois da

chuva. Flutua imóvel como se embaixo dela ra1mente houvesse terra. Na segunda

piscina, ao contrário, o manto verde se reduz a umas poucas ilhas suspensas num mar

de água escura como petróleo e que parece ter também a consistência oleosa do

petróleo. Também aqui é impossível ver o fundo. À medida que avanço para a

última piscina, noto que o aspecto da água melhora. O cheiro que vem de todas

juntas é forte e nojento, como se centenas de cadáveres estivessem apodrecendo no

fundo da água.

Tenho uma ânsia de vômito tão forte que mal consigo segurar.

— O que estamos fazendo aqui?

Morgan se aproxima da beira da última piscina, a que tem uma aparência

menos horrível.

— Venha até aqui.

Obedeço e olho para baixo. Tenho a impressão de que alguma coisa se move lá

no fundo, mas talvez seja apenas uma sombra projetada por minha mente

sugestionável.

— Tem coragem de entrar?

— E por que iria fazer uma idiotice dessas?

— E só uma piscina.

— Uma piscina cheia de água de esgoto.

— É só um pouco suja, mas não é contaminada.

— De jeito algum, não entraria nunca. No que me diz respeito, podia ter

qualquer coisa nessa água — digo, continuando a ver sombras em movimento no

fundo. De tanto em tanto uma bolha estoura na superfície, como se alguma coisa

respirasse no fundo da escuridão.

— Está com medo?

— Não, me dá aflição. É diferente.

— Você que é diferente, Alma.

— Como assim?

— Não é como as outras pessoas. Alguma vez já foi à piscina ou à praia?

— Não, e daí?

—Porquê?

— Porque não gosto de nadar.

— Já nadou alguma vez?

— Para dizer a verdade, nunca.

Morgan sorri, como se já soubesse a resposta.

— O que está querendo demonstrar com isso? Não sou a única pessoa que não

gosta de nadar. É normal.

— Mas você não é uma pessoa normal.

— O que está dizendo?! Claro que sou normal!

— O problema não é querer ou não: você não pode mergulhar.

— Juro que não entendo você. Mais que isso: não entendo o que está...

— Entre na piscina — interrompe ele.

— Já disse que me dá nojo.

— Não é por isso que você não entra.

Olho de novo para a água escura. Respiro seu cheiro adocicado.

Tudo isso é absurdo, mas se Morgan pensa que sou covarde, se não entrar na

água vou dar razão a ele.

Por que odeio tanto a água? Tudo seria bem mais fácil se não me sentisse tão

mal só de olhar para ela.

— Por que está pedindo para eu fazer uma coisa dessas?

— Para que comece a entender quem é.

— Uma menina mimada? É isso que está querendo dizer? Bem, está

completamente enganado... — respondo, subindo na borda da piscina.

Vejo uma velha escada enferrujada do outro lado. Vou até lá e viro de costas,

pronta para descer. Entrar tudo bem, mas mergulhar de cabeça também já é demais.

Solto uma das mãos da escada por um segundo e vejo que está toda suja de

poeira de ferro e ferrugem. Que sensação horrível!

— Não seria melhor tirar pelo menos o jeans? A roupa molhada pesa muito

mais e pode arrastar você para o fundo.

Então era isso que ele queria? Obrigar-me a tirar a roupa? Viro para ele.

— Obrigada pelo conselho, mas não vou tirar nada.

— Nem os sapatos?

Realmente, os sapatos podem incomodar um pouco, mas o simples pensamento

de tocar a água com os pés nus parece inaceitável.

Portanto, fico com eles e começo a descer. Vejo a água opaca embaixo de mim e

sinto uma vertigem, como se ela quisesse me atrair e eu tentasse resistir.

Assim que coloco o pé no primeiro degrau, a escada balança com um rangido

arrepiante. E se quebrar? Não vai acontecer, não vai acontecer, continuo a repetir,

esperando que ela me ouça.

Enquanto isso, os olhos de Morgan estão apontados para mim como dois faróis.

Por que essa prova parece tão importante para ele?

Penso nele e Adam juntos, na piscina.

Desço mais um degrau. Estico o pé para baixo.

Quando penetra na superfície da água, uma garra de gelo envolve meus

tornozelos e uma corrente elétrica sobe até a ponta dos meus cabelos. Queria parar e

sair correndo, mas continuo até o segundo degrau. E depois o terceiro. Desço até os

joelhos.

À medida que vou afundando naquela água suja, Sinto um enorme no peito e

uma sensação crescente de sufocação, como válvulas dos meus pulmões estivessem se

fechando aos poucos. O ar entra nem sai.

Mas não paro. Não, Morgan.

Afundo até a cintura e sinto um primeiro sintoma de paralisia.

Desço mais um pouco, mais um degrau, que ainda não é o último. Fico me

perguntando qual será a profundidade daquela piscina, se é que tem fundo.

Aperto os dentes, anulo os pensamentos, fecho os lábios. A água lambe meus

ombros bem na base do pescoço. Não sinto mais nada, nem meu corpo, nem minha

mente. O terror desapareceu. Tudo é silencio e paz, pela primeira vez desde que

cheguei nesta terra.

Abandono qualquer vontade e qualquer resistência e me deixo cair na muda

calmaria do elemento que me recebe.

Paz e escuridão, para sempre.

A respiração me falta, mas não é ruim: pernas e braços presos numa massa que

parece sólida a meu redor. Isso também não é ruim. É como se aliviar da vida que

queimava nas minhas veias com a violência de um fogo inimigo. Levanto os olhos

para o teto que reluz em brilhos esverdeados. Meus olhos também estão entre esses

brilhos. Agora, também faço parte da piscina e do mundo que ela guarda dentro de

si.

A água gelada anestesia os sentidos, cura a dor e me convence a me render.

Nunca um gesto me pareceu tão natural, tão bom.

A vida está me abandonando... Fecho os olhos, mas, de repente, sinto uma mão

agarrando meu braço e me puxando para cima.

Em seguida, vejo o rosto de Morgan.

Levo alguns instantes para entender que estou fora d’água. Minha roupa está

encharcada e grudada no corpo como uma pele gélida. Todo o resto está desfocado,

nebuloso, incerto.

Minha cabeça roda sem parar.

— O que... o que aconteceu?

— Estava trazendo você de volta.

Suas palavras são sons distantes que ecoam em meus ouvidos como em

corredores vazios.

De repente, começo a tremer.

Morgan toca em mim. Está fazendo alguma coisa. Tirando minha roupa.

Primeiro o jeans, que não quer sair. Depois o suéter pesado. Não tenho forças para

resistir. Sinto que está acariciando as marcas em meu pescoço.

No final, ele me cobre com alguma coisa, talvez uma jaqueta, e esfrega minhas

pernas e braços com energia. Quer me reanimar, como se faz com um motor que

morreu. Mas, nesse caso, não basta aquecer o sistema.

Eu estava indo embora.

— O que aconteceu comigo? — repito.

Ele não responde. Continua a friccionar todo o meu corpo.

— P-por que me tirou de lá?, pergunto batendo os dentes.

— Porque você precisa viver, Alma.

— Era tão bom...

— Não, não era bom. Era qualquer coisa menos bom. Era o mal.

Naquele exato momento, desato a chorar. A vida explode de novo dentro de

mim com sua força invencível e inesperada.

Choro. E as lágrimas são água. E a água é vida.

Não é... não pode ser... o mal.

— Acabou. Você foi decidida e corajosa. E forte. Você é forte, Alma. A mais

forte de todos nós.

Não entendo o que está dizendo e me abandono em seus braços, ainda chorando,

confusa.

Morgan acaricia meus cabelos e minha testa. Aquele momento é tão suave que

não me importaria se ele fosse o último.