O rio é calmo e suas águas verdes escorrem como se estivessem numa planície. A
corrente é suave e me transporta com delicadeza, enquanto uma brisa agradável roça
meu rosto e move suavemente meus cabelos.
Meu corpo viaja flutuando na água, deslizando como uma embarcação leve.
Tem confiança no elemento em que se encontra. Mas, de repente, começo a ouvir um
estrondo diante de mim. Levanto um pouco a cabeça e vejo, enquadrada pela ponta
dos meus pés, uma nuvem branca de espuma e vapor no horizonte do rio. Naquele
momento, percebo que estou mergulhada na água e o pânico toma conta de mim.
Bato os braços e as pernas desesperadamente, mas só consigo afundar, enquanto a
corrente, lenta e inexorável, continua a me levar para o abismo da cachoeira. Sinto a
água entrar em toda parte, na garganta, no nariz, nas orelhas. Os pulmões se enchem
d’água. Não tenho saída. Grito.
— Alma! O que houve? Está tudo bem? — Jenna está olhando para mim,
preocupada.
Estou em minha cama, os lençóis amassados num monte sem forma a meus pés.
Era só um sonho. Um sonho?
Levanto num salto, rezando para que o caderno roxo não esteja por ali, que
Jenna não o tenha encontrado. Olho por todo lado, mas não encontro. Ainda bem,
deve estar na mochila.
Nesse meio-tempo, Jenna ficou ao lado da cama olhando para mim como se
tivesse enlouquecido.
— Acho que teve um pesadelo.
— Pois é, tive. Mas já acordei.
— Não estava bem? Não costuma dormir à tarde.
Se disser que estava com dor de cabeça, ela com certeza vai me obrigar a fazer a
horrível tomografia computadorizada. Melhor evitar.
— Só um pouco cansada.
— Entrei aqui para avisar que tem um tal de Roth querendo falar com você no
telefone.
— Roth? Diga que já estou indo, por favor.
Dou um pulo no banheiro para dar uma refrescada rápida no rosto. O sonho
parecia tão real que o simples fato de tocar na água que sai da torneira já provoca
uma sensação estranha.
Vou até a entrada e pego o telefone.
— Alô?
— Oi, é Roth... Espero não estar incomodando.
— Não, pode falar.
— Lembra que prometi convidá-la para jantar?
— Lembro mais ou menos... — Com tudo o que aconteceu comigo, claro que
tinha esquecido completamente. Ou talvez preferisse não lembrar.
— Está livre hoje à noite?
Acho que não vou aguentar um jantar hoje à noite: eu me sinto como se tivesse
passado por um moedor de carne.
— Para dizer a verdade, estou muito cansada...
— Que pena! Tinha notícias fresquinhas para você...
— Que tipo de notícias?
— Do tipo que você gosta: assassinatos.
— Está falando sério?
— Nunca falei mais sério.
— Está bem. Onde vai ser?
— Passo para pegar você, se não se importa. Onde mora?
— Bairro Leste. Condomínio B.
— Certo. Passo às oito. — Desliga sem me dar tempo de responder.
Viro para voltar para o quarto e dou de cara com Jenna: bloqueio da passagem e
interrogatório garantidos. Bingo!
— Quem é esse Roth?
— Um amigo.
— Pela voz parece mais velho que você. Não é da escola, é?
—Não.
— Não disse nada sobre a idade.
— Não sei quantos anos tem. É tão importante assim?
— Tenho achado você estranha há algum tempo, Alma. Mais irritada e ausente.
Quase nunca está em casa e a relação com seu irmão só fez piorar. Acho que está
andando em más companhias, talvez as mesmas pessoas que invadiram nossa casa e
revistaram o seu quarto. O que está havendo?
Bem que eu gostaria de saber.
— Nada, pode ficar tranquila.
— Isso teve início quando começou a escrever para esse jornalzinho e a se
interessar por assassinatos. Não são coisas adequadas para uma mocinha da sua idade.
Vou falar com Sarl!
— Nem pense nisso! — explodo.
— Está vendo? Por que reage dessa maneira?
— Ouça, sou uma adolescente, tenho os meus probleminhas idiotas que me
deixam maluca e insuportável. É uma característica da idade, não é o que todos
dizem? E por isso, posso responder mal um dia ou não voltar para casa na hora em
que devia. Mas depois vou crescer e nenhuma de nós duas vai se lembrar disso tudo.
Mas agora me deixe viver em paz, na medida em que for possível. E, sobretudo, não
me impeça de curtir a única paixão que tenho no momento: o jornalismo.
Ela olha para mim muito séria, depois relaxa e as rugas que se formaram em sua
testa desaparecem. Espero que esteja convencida.
— Está bem. Vou lhe dar um voto de confiança. Mas tente estar mais em casa e
se aproximar mais de seus irmãos. Evan também está atravessando uma fase difícil.
Dorme cada vez mais na casa da namorada, como se não se sentisse bem aqui.
— Talvez seja isso mesmo.
— Por favor...
— Está bem. Mas agora preciso me arrumar.
Passo ao lado dela direto para o meu quarto.
— Está interessada? — pergunta ainda.
— Em quem?
— Roth.
— Imagine! Sabe muito bem que não me interesso por ninguém... A não ser
Morgan, talvez.
♦♦♦
Roth é pontual. Carro verde-escuro, grande, comprido. Lá dentro. encontro uma
casa, um escritório e parte de um bar: lentes fotográficas. pastas, folhas soltas,
jornais, meio sanduíche todo mordido, um pacote aberto de batata frita e algumas
latinhas rolando de lá para cá no tapete bege-claro. No banco traseiro, um travesseiro
e um cobertor. O ar está cheio de odores, cobertos pelo perfume que ele usa, de
especiarias, tão forte que me deixa tonta.
Assim que sento, Roth se aproxima para me cumprimentar com um beijo no
rosto.
E eu me afasto num gesto instintivo.
— Quanto perfume você colocou?
— O vidro caiu em cima de mim e não tive tempo de mudar de roupa, sinto
muito — responde, sem deixar claro se está brincando ou não. Sorri: — Está tão
forte assim?
— Não, imagine. Eu só precisava de uma máscara antigás.
Abro um pouco a janela e deixo entrar o ar da noite, frio e úmido como um
tentáculo.
— Tem de tudo aqui dentro, não?
— Nunca se sabe o que pode ser útil.
— Até travesseiro?
— Uso quando tenho que ficar de tocaia. É assim que se consegue um furo.
— Falando nisso, o que descobriu sobre os assassinatos?
— Que pressa! Conto no jantar, assim será obrigada a ficar até o fim.
— Chantagem, é?
— É, na cara de pau — diz ele, rindo.
Viro o rosto para examiná-lo. Tem um belo sorriso e uma risada simpática. Não
é nada mau, para dizer a verdade. Estou me habituando até com o perfume.
Sorrio.
— Há, há! Sorriso número um. Se chegarmos a três durante a noite, ganho
outro jantar em sua companhia.
— Não vai conseguir. Vai ter que se contentar com a companhia de outra
qualquer.
— Que pessimista! Pois ainda prefiro a sua.
O que houve com ele hoje? Está mais engraçadinho que o normal.
— Deve dizer isso a todas.
— Está me acusando de não ser um homem sério?
Levanto os olhos para o céu. Nesse meio-tempo, chegamos ao restaurante.
Pela pinta, parece um lugar chique: manobrista, caminho com folhagens baixas
e bem cuidadas, porta de entrada toda de vidro e, no interior, música discreta, luzes
baixas e velas. Dedico alguns segundos à análise da roupa que escolhi: suéter preto,
saia longa de jeans e botas. Nada apropriado. Mas não estou nem aí.
Roth, ao contrário, está muito bem-vestido: calça azul-marinho, camisa azul-
clara e suéter azul-marinho. Parece recém-saído de uma propaganda de moda.
Um garçom gentilíssimo nos acompanha até a mesa. O salão é grande e, ao
mesmo tempo, discreto. O chão é revestido de madeira e as mesas exibem macias
toalhas de linho marfim. Cada mesa, rigorosamente redonda, tem um centro de
frutas e flores tão perfeitos que parecem artificiais.
Assim que nos acomodamos, outro garçom entrega dois cardápios com capa de
couro, do tamanho de um jornal, e coloca outro, que mais parece um dicionário, na
mesa, ao lado de Roth.
— Escolheu um lugarzinho tranquilo comento cheia de ironia.
— Não gostou?
— Claro que gostei, mas imaginava alguma coisa mais... comum.
— Disseram que se come muito bem. O que importa o resto?
Ele tem razão e começo a estudar o cardápio, enquanto a cidade lá fora segue seu
rumo, indiferente.