As visitas a museus têm uma caracteristica fundamental: à medida que avançamos,
sala após sala, elas parecem cada vez mais longas. Na arte contemporânea, então, a
carga de explicaçõesse torna asfixiante. É inútil querer esclarecer uma coisa que
nasceu para não ser clara. Mesmo quando se trata de simples fotografias.
O museu é uma enorme caixa de cimento, subdividida em grandes salas vazias
onde cada passo ressoa com a potência de um tiro. Ao lado da entrada, destacava-se
um painel enorme dominado pelo nome do fotógrafo, Markos, no fundo de um
retrato que imagino que é um dos mais conhecidos.
Representa uma mulher de meia-idade, com o olhar intenso e fixo num ponto
distante, distante demais para que possamos ver, um chapéu de palha na cabeça e um
cigarro meio fumado na boca.
Paro um instante para admirar.
— Gosta? pergunta o professor de história, o sortudo que foi escolhido para nos
acompanhar. Viro para ele. Acho que nunca tinha chegado tão perto de mim ou feito
uma pergunta fora das provas.
Ainda estou pensando.
É cega, mas parece muito serena, como se o fato de não ver não fosse um
impedimento para ela, mas um meio para ir além do que é visível, para captar o que
escapa aos nossos sentidos.
Resolvo olhar a imagem novamente e percebo o que não tinha entendido: no
instante da foto, enquanto absorvia o tabaco de seu cigarro, aquela mulher via o
invisível.
É o que eu tinha que fazer também. Conseguir ir além dos simples fatos para
encontrar a ligação entre eles, para identificar a ponta daquele fio finíssimo que
pouco a pouco está me envolvendo.
— Vamos entrar.
Chegamos a um imenso hall. Na nossa frente, uma escadaria muito ampla, de
mármore escuro; à esquerda, um balcão do mesmo material, a bilheteria, que parece
uma capela funerária. A bilheteira de terninho cinza e camisa branca pega o dinheiro,
dá o troco e destaca o bilhete como um perfeito robô.
O professor de história trata da questão das entradas com grande cuidado.
Talvez goste de conversar com a bilheteira. Entrega um pedaço de papel a cada um
de nós e faz sinal para irmos atrás dele.
Adam caminha ao lado de Seline, bem na minha frente.
Quero aquele endereço, penso. Mas não ouso pedir. Não quero que a turma
inteira fique pensando que tenho algum assunto com ele. Seline toca a mão dele.
Espero que Adam não a engane de novo. Ele se vira para mim. Sustento seu olhar e
relembro nosso acordo.
— O mundo está mesmo de cabeça para baixo... — diz Naomi, a meu lado. —
Não acha?
Queria muito desabafar com ela, mas como poderia me ajudar?
— Não acha? — repete ela.
Com certeza está pensando no processo.
— Claro, desculpe... Tem razão. Mas você precisa recuperar seu espírito de luta,
entendeu? Ele tem que pagar, o resto não importa.
— Vou tentar. Mas não vai ser nada fácil.
— Não vou deixar você sozinha.
— Acho que não vai poder assistir.
— E por que não?
— Porque o juiz decidiu que a audiência será a portas fechadas.
— Não entendi. O que significa? Que ninguém vai poder entrar?
— Exatamente. Resolveu fechar o debate ao público. Para me proteger.
— Gostaria de estar lá com você.
— Perguntei a meu advogado para ver o que se pode fazer, mas não posso
garantir nada. Mas se você aparecer, talvez...
— Claro que vou. Mesmo que tenha que ficar o dia inteiro esperando.
— Você é a melhor amiga do mundo. — Naomi passa o braço em meus
ombros. Sinto um leve estremecimento no pescoço, mas não me afasto como teria
feito até pouco tempo atrás.
Mas também não resisto muito tempo. Ainda tem alguma coisa no contato com
as pessoas que me incomoda.
— Agora vamos, não quero levar bronca do professor. Seguimos a fila
desordenada dos colegas e tentamos nos concentrar na exposição. São retratos, na
maioria. Velhos com o rosto enrugado perfurado por olhos antigos e profundos.
Crianças que correm nuas e só falta ouvir seus gritos para que pareçam vivas e em
movimento diante de nós. Religiosos com mantos roxos e púrpura, com o rosto
relaxado de quem vive ou pelo menos quer dar a impressão de que vive com
dignidade. E depois, paisagens de todo tipo, com cachoeiras prodigiosas, depósitos
abandonados, montanhas nuas e desoladas, arranha-céus altos e brilhantes. Vinte
anos de carreira numa centena de fotos. Algumas são realmente bonitas, devo
admitir. Olhando para elas, pressinto uma coisa, como se quisessem transmitir uma
mensagem. Sobretudo os retratos, nos quais o fotógrafo consegue captar a alma das
pessoas, transferi-la para as imagens como se fosse uma película brilhante que
transmite vida e luminosidade às fotos. Ainda encantada com o olhar doce e
melancólico de uma menina, fotografada ao lado de um homem dentro do que parece
ser um ônibus, ouço a voz de Naomi me chamando.
— Ei, Alma! Venha ver!
Vou até lá, curiosa. Consegui me distrair por alguns minutos, diante das fotos.
Naomi está examinando uma foto em particular. É de uma moça... mas não é
uma menina qualquer.
— Não acha incrível?
Observo melhor. Parece mentira, mas a tal menina é igualzinha a mim!
Não sei o que dizer. Examino e reexamino, incapaz de acreditar no que estou
vendo.
— Parece uma sósia. Fique ao lado dela!
Faço isso e vejo os olhos de minha amiga se arregalarem como duas janelas que
se abrem.
— É você! Diga a verdade, tirou essas fotos e nunca contou a ninguém.
— Imagine! É só uma coincidência. Nem sei quem é esse fotógrafo.
Observo a menina da foto. É morena, com os cabelos lisos, talvez um
pouquinho mais curtos. Mas os olhos verdes, os lábios e o nariz são realmente
idênticos aos meus.
Meu peito incha e desincha, inspira espanto e expira medo.
— Parece impossível... — Não consigo terminar a frase, dominada uma
sensação terrível.
Procuro o nome da foto.
Uma placa.
Dupla.
LARISSA, 13 DE OUTUBRO — 18 DE SETEMBRO.
— Por que duas datas?
— Parecem datas de nascimento e de morte — comenta Naomi.
18 de setembro.
— O dia 18 de setembro me lembra alguma coisa...
Ai, meu Deus!, penso. Alguns dias antes da data do meu acidente, dia 21...
18 de setembro.
E a foto de uma desconhecida idêntica a mim.
Seline e Adam se aproximam.
Naomi não perde tempo.
— Já viu? Não é idêntica a Alma?
Seline chega mais perto, mas Adam continua a olhar de longe, como quem não
quer se envolver muito.
E olha para mim.
— Nossa! É incrível, parece mesmo você! — exclama em voz alta Seline, que
não tem o dom da discrição.
— Ei, nem todo mundo precisa saber — rebato, levando o indicador aos lábios
para ver se ela cala a boca.
— Que nada, não fique chateada — diz Seline. — É divertido. — Sorri. Serena.
Vazia. Sorte a dela.
Olho para ela sem responder. Espero que meu silêncio seja suficiente para que
entenda que não estou achando nem um pouco divertido.
— Vamos, Naomi. Vamos olhar as outras fotos. Quem sabe não achamos mais
duas parecidas conosco! — propõe Seline, entusiasmada com a ideia.
Saímos da sala.
— De fato, é muito parecida — sussurra Adam.
— Dizem que todos nós temos um sósia. Pois já encontrei a minha... — Tento
suavizar o tom da minha voz, fingindo que não estou nem aí para aquela história.
Ele coloca um papel dobrado em minha mão.
— O endereço que me pediu.
Enfio o papel no bolso, sem sequer checar.
— Cuidado.
— Sei cuidar de mim mesma.
— Não vá abrir a caixa de Pandora.
A caixa que contém todos os males do mundo. Mas Adam não sabe que muitos
desses males já estão girando ao meu redor.