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Mais uma segunda-feira, mais uma semana.

Entramos na escola só porque é o que fazemos todo dia, como um bando de

robôs. Alguns riem, outros não. Mas todos, invariavelmente, nos encontramos aqui,

descarregados pelos pais sempre apressados, pelos ônibus ou por nossas pernas de

adolescentes já cansados. Passamos as manhãs inteiras ouvindo, escrevendo e falando,

na esperança de assimilar alguma coisa que um dia possa ser útil, se não formos

burros demais ou totalmente incapazes de fazer qualquer coisa de bom.

Hoje, no entanto, eu me sinto diferente da galera. Estou cheia de vida e de boas

intenções, agora que a carta de Morgan está dentro da minha mochila, junto com

tudo o que realmente interessa.

Estou subindo a escada quando sinto uma presença a meu lado. É alguém que

ando encontrando muito ultimamente, não sei direito por quê: Adam.

— Com a cabeça cheia de ideias, essa manhã? — Tenta puxar conversa, mas,

como ele mesmo disse, tenho outras coisas na cabeça.

— Oi, Adam.

— Pelo bom humor, as ideias devem ser boas.

O astral dele também parece muito bom, apesar de tudo. Devem ser as pares

com Seline, penso. Parece até mais bonito. Bem-vestido e com um lindo brilho nos

olhos, que também parecem mais serenos.

— Mas também não estou a fim de papo.

— Às vezes, conversar faz bem. Descobriu alguma coisa sobre o

desaparecimento de Morgan?

— Não, nada.

— Entendi, não quer me contar.

— Deveria?

— Seria um agradecimento.

— Agradecimento por quê? Pelo endereço? Acho que não seria uma troca justa.

— É verdade. Mas agora que me perdoou, a gente podia se conhecer melhor...

podíamos ser amigos.

Estou de boca aberta. Até pouco tempo atrás, era difícil compartilhar o ar da

mesma sala e agora Adam vem me oferecer sua amizade.

— O fato de ter perdoado não significa que confie em você.

— Você está muito sozinha, Alma.

— É uma escolha. Sou muito seletiva com as minhas amizades.

— É uma menina difícil. Mas até as meninas difíceis precisam de alguém mais

próximo.

— Obrigada pelo interesse, mas estou muito bem assim.

Continuamos a subir, seus olhos fixos em mim como se não estivesse muito

convencido do que acabei de dizer.

— Acho que não — insiste ele.

Começo a me irritar.

— Ouça, que droga sabe a meu respeito? Nada! E é assim que vai continuar.

Além disso, você tem Seline para se preocupar.

— É uma menina muito legal e sinto muito pelo que fiz com ela. Mas, como já

disse antes, estou cansado de ser tratado como um delinquente. Também posso ser

uma ótima pessoa — diz ele num tom mais firme.

— Ah, é? E desde quando?

— Só para começar, desde o dia em que não denunciei sua amiga Agatha pelo

incêndio do gabinete do diretor e assumi toda a culpa. Li hoje que a tia dela já estava

morta quando ela começou com seu tratamento de sobrinha amorosa. Mas, mesmo

assim, um ato de vandalismo como esse com certeza não ia melhorar sua situação. No

entanto, teria melhorado a minha, e muito.

— Só não denunciou porque tinha medo da reação dela!

— Está se sentindo culpada, não? Por isso essa raiva toda. Sente a raiva subir

por dentro como uma onda que não consegue deter. Deve ser terrível para você, que

está habituada a controlar tudo sempre.

Suas palavras, pronunciadas com calma, são como chicotadas. Adam fala como

se realmente me conhecesse. Como se tivesse levado um tempo me estudando.

— Não tenho nenhum motivo para me sentir culpada.

— Sei que tem.

— Você não sabe de nada! Vou para a minha sala...

Ele não me larga. Ao contrário, segura meu braço e me arrasta para o fundo do

corredor, perto dos banheiros.

— Quer me largar!

Quando chegamos num lugar mais tranquilo, ele começa a falar de novo.

— Vi quando entrou na casa de Agatha.

Olho para ele, espantada.

— Depois que ela jogou a culpa do incêndio em cima de mim, vi que tinha

alguma coisa nela que não batia bem, além da história do encontro no rio.

Vindo dele, parece até um elogio. Mas deixo que continue.

— Resolvi segui-la um dia, só para ver onde morava. E voltei na manhã

seguinte: foi quando vi você. Acho que foi você quem fez a denúncia, não foi?

— Por que resolveu falar disso só agora?

— Porque não tinha certeza de que estava certo. Mas na semana passada,

quando me pediu o endereço de Morgan, percebi como estava perdida e sozinha. E

pensei que talvez precisasse de um amigo, de alguém em quem pudesse confiar.

Então resolvi falar, para mostrar que sei manter um segredo.

— Está se metendo em coisas que não lhe dizem respeito.

— Dizem, e muito, pois fui eu quem pagou o pato no lugar de Agatha.

— E Seline pagou por você. Tem sempre um pagando pelo outro.

—E você? Paga por quem?

— Talvez somente por mim mesma.

De repente, ele faz uma coisa que eu não esperava. Acaricia meu rosto com as

costas do indicador direito e diz:

— Você é linda, Alma. Vou guardar o seu segredo como se fosse meu, não

precisa ter medo. Agora estamos unidos por outro pacto. — Em seguida, vira as

costas e vai embora.

Toco o rosto onde ele me tocou. Seus dedos não eram frios como os meus, eram

quentes, mais humanos. Que sujeito esquisito: me deixou confusa. Não entendo o

que quer, mas sinto que tenho que ficar atenta. Tenho que estar sempre atenta, com

todo mundo.

♦♦♦

Quando a campainha toca, olho pela janela. As imagens dos colegas guardando

suas coisas, enfiando os casacos e partindo se refletem nos vidros. Observo as árvores

da avenida, ainda desfolhadas. A primavera está demorando a encontrar uma brecha

no clima cinzento que pesa sobre a cidade. Há uma luz estranha, quase irreal, que

cobre tudo.

Desço até a entrada. Junto ao portão da escola, a segunda surpresa do dia espera

por mim. É aquela menina de cabelos cacheados que vi tantas vezes com Morgan.

Está falando com alguém escondido atrás de uma das duas colunas da entrada. E se

fosse o próprio Morgan? Talvez já tenha voltado para me buscar, como escreveu.

Acelero o passo para verificar com a respiração parada no peito. Quando chego mais

perto, a menina me vê, diz alguma coisa à pessoa que está com ela e se afasta

rapidamente.

Atravesso o portão e minha desilusão é enorme, quando dou de cara com o

Professor K.

É impossível saber se nossos olhares se encontram por causa das lentes escuras

dos seus óculos.

Fica em silêncio, imóvel. Está querendo dizer que não estava fazendo nada de

mau?

— Conhece aquela menina, professor? — pergunto sem hesitar.

— Sim, é uma ex-aluna. — Sua voz dura não mostra o menor nervosismo.

— Quer dizer que estudou aqui, nesta escola?

— Exatamente.

— E por que mudou de escola?

— Motivos familiares, acho. Por que está tão interessada?

— Curiosidade. Sei que é amiga de Morgan e, como faz um tempo que não o

vejo, queria pedir notícias dele.

— Sabe de muita coisa, pelo que posso ver.

— O senhor também, pelo menos é o que parece.

— Sou um professor, Alma. Minha tarefa é guiar e educar os jovens como você

para a vida. Mas a tarefa de vivê-la, essa é só de vocês.

Mais uma vez, aquelas frases perfeitas. Parece que o Professor K fala por

enigmas que devo decifrar.

— Sabe onde Morgan está?

— Morgan?

— Pensava que tinha... deixe para lá. Não sei como poderia saber. E também

não sei por que estou lhe perguntando isso...

— Talvez porque não tenha mais ninguém a quem perguntar. Nenhum amigo

em quem confiar.

É a segunda pessoa, no dia de hoje, que me diz que não tenho amigos. Começo a

acreditar que exista um fundo de verdade no que dizem.

— Está enganado. Tenho um monte de amigos. Estou indo, desculpe se fiz o

senhor perder tempo. Até mais.

— É sempre um prazer... Alma? — chama enquanto me afasto.

Eu me viro.

— Cuide-se, por favor.

Estou com uma cara tão desesperada assim?

— O senhor também — é a resposta que me ocorre antes de ir para o ponto do

ônibus que vai me levar para casa.

Viro de novo, assim que chego lá. O professor não está mais no portão. Que

sujeito estranho. Dou uma olhada ao redor, para ver quem está por ali. Não há

nenhum Master à vista. Eles também parecem ter desaparecido. E essa trégua me dá

arrepios.

Em seguida, uma nova, fortíssima pontada atravessa minha cabeça. Não estava

preparada. Coloco a mão na testa, como se quisesse bloqueá-la. Por sorte, dura apenas

uns poucos segundos, mas me deixa exausta e com medo de que esteja chegando a

hora em que vou escrever outro daqueles contos.