47

Avanço no meio da escuridão, minha mão apertada na mão de Morgan.

— Como faz para enxergar alguma coisa?

— Conheço o caminho.

— Deve conhecer muito bem.

— Agora cuidado com a escada. Coloque um pé de cada vez e fique perto de

mim. Vai dar tudo certo.

Continua a repetir isso, mas não me sinto tão tranquila assim. Andar no escuro

num lugar como esse é uma coisa que não desejo a ninguém. Tenho medo de pisar,

de uma hora para outra, num rato morto. Começo a entender o que significa ser

cego.

Nem as teias de aranha me dão folga e tocam meu rosto como uma carícia de

morte.

— Essa escada não acaba nunca? — protesto. Estou ficando cansada. E com frio.

— Mais um último esforço e estaremos lá.

— Já disse isso uns mil degraus atrás.

Mas dessa vez era verdade. Percorremos um pequeno trecho plano e pegamos

outra escada. Bato com o pé numa coisa que sai rolando fazendo um barulho

metálico.

— Desculpe.

— Não tem problema, mas agora temos que nos apressar.

Agora? Por quê? O que mudou agora?

Aceleramos o passo. Fico grudada nele e tenho a impressão de que estamos

caminhando no gelo: não consigo dar um passo com segurança e os degraus parecem

não ter fim. Transpiro, mas ao mesmo tempo sinto frio, a testa cheia de gotinhas

geladas. Finalmente, uma claridade distante aparece no meio da escuridão e consigo

ver o final da escada.

— Uma luz! — exclamo.

Desço os últimos degraus com uma nova energia.

Estamos num subsolo. O ar é mais quente e sufocante, como se estivéssemos

centenas de quilômetros debaixo da terra.

Dobramos uma esquina e me deparo com um corredor tão comprido que parece

impossível. Tenho dificuldade para acreditar no que meus olhos estão vendo. A meu

lado, Morgan para um pouco para eu me habituar. Mas como é possível se habituar a

um lugar como esse?

A perspectiva, cada vez mais estreita, parece quase infinita, iluminada por um

fio do qual pendem, como lagartas em seus casulos, lâmpadas fluorescentes que

espalham uma luz fantasmagórica e vacilante.

— O que é... isso? — pergunto.

— O que acha?

— Não sei... parece um lugar irreal, como se estivéssemos dentro de um

quadro.

Ele aperta minha mão. Está fria.

Por um momento, um só, sou assaltada pela dúvida mais terrível e se ele não

estiver do meu lado? Se tiver me trazido aqui para me fazer mal? Não sei quase nada

de Morgan, apenas que me deixou sozinha e que vive numa casa desprovida de

memória. Penso no que aconteceu com Naomi, em como fiquei furiosa com ela por

sua ingenuidade.

Largo sua mão. Ele me fulmina com um olhar de pura decepção. Morgan é um

cara muito estranho: alterna momentos de afeto caloroso com outros de gelo

absoluto. Não sei qual das duas coisas faz parte de sua verdadeira natureza.

— Não pode interromper o contato — diz ele.

— De que contato está falando?

— Do nosso. Embora eu estivesse longe, nós dois sempre estivemos em contato.

— Pois não notei nada.

— Não poderia, não ainda.

— Por favor, Morgan, pare de falar como um profeta! Estou exausta! Para onde

está me levando? E por que? Não tenho a menor intenção de ficar aqui ouvindo suas

frases misteriosas. Fala de coisas que não conheço, repetindo sem parar que

entenderei em breve! Pois bem, quero entender agora, não daqui a uma hora ou um

dia. Agora!

Morgan segue seu caminho pelo corredor e não posso fazer outra coisa senão ir

atrás dele: a última coisa que quero é ficar sozinha aqui dentro. Ou aqui embaixo.

Enquanto avançamos, ouço o zumbido das luzes sobre nossas cabeças e o ar fica

cada vez mais pesado e úmido. Parece uma caverna. Percebo que vários corredores

secundários saem do corredor principal, todos igualmente tétricos, estendendo-se a

perder de vista, como longos braços. Um verdadeiro labirinto subterrâneo. Morgan

caminha na frente com a segurança de quem sabe aonde vai. A certa altura, dobra à

esquerda num corredor lateral, depois pega outro, o segundo à direita, acho eu.

— É muito fácil se perder aqui. O eco de minha voz ressoa entre as paredes

úmidas.

— Muito mais do que você pensa.

Leves gotas de um líquido que parece água começam a cair do teto. Quando a

primeira atinge minha testa, levanto os olhos e noto que a rede está cheia de grandes

manchas esverdeadas com rachaduras profundas como feridas. Grossos canos

enferrujados passam junto a nós na rede da direita, borbulhando rumorosamente.

— O aqueduto ainda funciona? — pergunto curiosa com todo aquele

movimento.

— Num certo sentido, sim. — É a sua milésima não resposta.

— Tudo bem, já entendi. Não vou perguntar mais nada até você resolver me

explicar tudo isso. Se continuar, vou acabar me irritando.

— Só queria dizer que algumas funções ainda estão ativas, mas que a cidade não

usa mais esse aqueduto.

Imagino que também vou entender isso em breve.

Ele concorda, sorrindo como quem está diante de uma criança que finalmente

aprendeu a lição.

Dobramos algumas esquinas e pegamos um corredor um pouco mais largo que

o anterior. De repente, o barulho da água corrente fica mais forte, mas é impossível

descobrir exatamente de onde vem. E um n primitivo, terreno, apavorante.

Uns 20 metros depois, encontramos uma porta. É de ferro, avermelhada e meio

enferrujada. Morgan segura a enorme maçaneta em forma de garra e puxa para si.

Assim que a porta se abre, como se jorrasse de uma garrafa que ficou muito tempo

fechada, um jato de água estagnada cai em cima de mim e me deixa sem fôlego.

Tapo o nariz instintivamente e estico o pescoço para olhar para dentro.