Morgan. Ele é minha única esperança. O cara que surgiu na minha vida, deixou tudo
de cabeça para baixo e sumiu sem dar explicações.
Deixou apenas a promessa de que ia voltar. Um dia.
No bolso da minha jaqueta escura, sepultada no fundo do armário, procuro pelo
origami em forma de dragão no qual Morgan anotou o número de seu telefone.
Ainda dá para ler, embora a tinta já esteja bem desbotada. Antes que desapareça
completamente, resolvo copiar num pedacinho de papel. Minha mão vacila e desenha
números tremidos na folha em branco.
Em seguida, vou até o telefone, nervosa e insegura.
Começo a digitar, apertando as teclas lentamente. A ideia de encontrá-lo em
casa me deixa agitada e a de não encontrá-lo me aterroriza. Pode parecer loucura,
mas só agora me dei conta de que não sei nada sobre ele, se tem família e quem são
os seus amigos fora da escola.
Respiro profundamente a cada número digitado, como se fosse uma etapa
vencida, e por fim completo a ligação.
O telefone toca.
Um, dois, três toques, depois alguém atende. Estou pronta para responder
quando percebo que é uma secretária eletrônica. Voz de mulher.
Aqui éa casa de Leo e Ginevra. No momento, não estamos ou não podemos
atender. Deixe seu recado, a gente liga mais tarde, sem falta. Tchau!
Uma mensagem alegre e relaxada. Sem dúvida um casal jovem, penso comigo
mesma. Tudo parece normal, mas tem alguma coisa que não bate.
Só não sei o que é... Jovens demais, talvez.
♦♦♦
Na manhã seguinte, não penso na visita à exposição de fotografia, não ouço o
que Seline e Naomi dizem, nem noto o banco vazio de Agatha; estou concentrada na
ideia que me atormentou a noite inteira. Descobrir o endereço de Morgan.
A primeira coisa que pensei foi me informar a partir do número de telefone,
mas esse serviço não existe mais. Por sorte, a solução parece bem mais simples e
imediata do que tinha imaginado. Dessa vez vou ter que agradecer ao professor de
matemática, que me chamou para escrever uma montanha de números e fórmulas no
quadro-negro. No final, minhas mãos estão mais brancas que as de um padeiro e o
giz pinica minha pele. Preciso lavá-las com urgência, mas saio meio contrariada:
sempre que posso, evito os banheiros da escola. Detesto o cheiro de cigarro que se
esconde lá dentro e não gosto da ideia dos meninos que costumam invadir os
banheiros femininos.
Encontro a solução no corredor: Adam, com um balde em uma das mãos e um
par de luvas na outra. Deve ter acabado o seu turno de limpeza. Não esperava tanta
dedicação, achei que fosse se, rebelar ou simplesmente fugir. Mas, ao contrário,
parece que a coisa virou uma questão de princípio para ele, que limpar a sujeira
deixada pelos outros o ajuda a aliviar sua consciência.
Se me lembro bem, Adam e Morgan costumavam nadar juntos.
Talvez ele saiba o endereço de Morgan. Quando nossos olhos se cruzam, ele
esboça um sorriso.
—Oi.
—Oi.
Parece espantado e, ao mesmo tempo, feliz por eu ter respondido sem hesitar.
— Está mesmo levando esse negócio a sério, apesar de dizer que não teve nada a
ver com aquela história na diretoria.
Ele levanta os olhos, impaciente.
—Já lhe contei o que houve. E depois, ela agora está pagando uma pena bem
mais grave... cada um com a sua, né?
Ela é Agatha.
Os cabelos castanhos de Adam são brilhantes e penteados, seu olhar está mais
claro, como se finalmente fosse possível ver o fundo sem aquele véu de ódio que
costumava nublar seus olhos.
— É uma história horrível — digo. — E tudo aconteceu muito depressa.
— Agatha é perigosa. Não devia ficar no meio de gente normal.
— Não acha que qualquer um é capaz de se tornar perigoso? — lancei uma
indireta sobre o que ele fez com Seline.
— Não matei ninguém.
— Não sabemos se Agatha matou. Só a autópsia do corpo da tia poderá dizer se
foi ela.
— Deve ter razão. Mas aquela ali não tem os parafusos no lugar.
— Você é a última pessoa que devia ficar julgando os outros, Adam.
Ele fica em silêncio. Não quer brigar. E é melhor assim.
—Tem notícias de Morgan?
Balança a cabeça.
— Desapareceu no ar. Lança um olhar curioso que me incomoda um pouco. —
Então está mesmo interessada nele.
— Por quê? Quem disse isso?
— Rolam umas fofocas...
— Não sei quem anda dizendo isso, mas é pura besteira. Emprestei um negócio
para ele e queria que me devolvesse. É só isso.
— Bem, não faço a menor ideia de onde ele possa estar.
— E não sabe onde mora?
— Acho que poderia descobrir.
— E aposto que a informação tem um preço.
Ele concorda satisfeito. Sabe que está com a faca e o queijo na mão e não tem
nenhuma intenção de perder a oportunidade de usá-los.
— E qual seria?
— O seu perdão.
Fico de boca aberta.
— E o que vai fazer com ele? Não foi a mim que você filmou e, pelo que sei,
Seline já perdoou você.
— Sei disso e, na verdade, é o seu perdão que eu quero.
— Por quê?
— Porque estou cansado de viver cercado de gente que me olha de banda, que
me julga pelo que fiz e até pelo que não fiz e me aponta como se eu fosse um
criminoso.
— Não olho de banda para você.
—Mas também não olha direito.
Isso é verdade.
— O meu perdão ia mudar alguma coisa?
— Para mim, ia.
Naquele momento, vejo um menino chegar do outro lado. É ruivo. Passa ao
nosso lado e seus olhos deslizam sobre nós.
— Não entendo por que é tão importante - recomeço depois que o menino
passa —, mas se é o que deseja... negócio fechado.
Ótimo. Agora pode dizer.
— Dizer o quê?
— Que me perdoa. Quero ouvir cada palavra.
Fico em silêncio.
Ele sorri, pegando seus panos de chão.
— Você decide. Essas são as minhas condições.
— Está perdoado, Adam. Tudo bem?
— Tudo, obrigado. E espero que um dia sinta realmente o que acabou de dizer.
— A condição era que eu dissesse e foi o que fiz. Agora quero o endereço.
O menino de cabelo vermelho passa por nós novamente, de volta para sua sala.
— Tudo bem, mas tome cuidado.
— Com o quê?
— Quando alguém desaparece do jeito que Morgan desapareceu, pode haver
alguma coisa
esquisita por trás... alguma coisa perigosa.
— Veremos.
Nossos olhares se cruzam como duas espadas. Ele esboça um passo adiante.
— Para onde está indo?
— Trocar de roupa. Dentro de uma hora vamos para a exposição de fotografia.
— Você também vai?
— Bom comportamento.
Então Adam, que ganhou o direito de matar aula durante semanas depois de
tocar fogo no gabinete do diretor, agora também ganha um prêmio por bom
comportamento.
Fico me perguntando de que adianta seguir as regras.
— E o endereço?
— Vou anotar e entrego mais tarde.
— Preciso dele ainda hoje.
— Tudo bem, não se preocupe.
Adam e eu nos separamos sem despedidas. Temos um acordo.
Só espero que ele cumpra a sua parte.