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A escola. Um contêiner de juventude pré-fabricada. A única novidade é que agora

Morgan não está mais aqui e tudo parece diferente, estranho, imóvel, como se eu

estivesse observando de fora. Um filósofo, cujo nome não lembro, escreveu uma vez

que cada pessoa decide se quer viver ou se limitar a observar a vida. Fico me

perguntando se é possível alguém se observar vivendo. Talvez não, talvez o simples

fato de observar a vida impeça a ação de viver a vida. É assim que me sinto agora:

bloqueada e impotente.

Quando chego na sala, minhas amigas já estão em seus lugares. A única cadeira

vazia é a de Agatha, no fundo. Seline folheia sem vontade as páginas de uma revista

de moda e nem me vê chegar. Naomi olha pela janela. Sei no que está pensando.

— Oi, alguma novidade sobre o processo? — pergunto em voz baixa.

Vai ser daqui a dois dias.

Abaixa os olhos. Seu olhar não é o mesmo de antes. Parece que uma esponja

absorveu sua força, seu brilho.

— O que houve?

Levanta os olhos para mim.

— Estou com medo, Alma.

Dou de ombros.

— Tito está preso, não pode fazer mais nada contra você.

— E se não conseguir testemunhar contra ele? E se o juiz não acreditar em

mim?

— Não vai acontecer, fique calma. Temos provas e, se não me falha a memória,

você tem um ótimo advogado. Mostre que tem raça!

— Que raça?! Não sou mais a mesma.

Como posso dizer que está errada, se penso a mesma coisa de mim mesma?

— Tenha fé, que tudo vai se arranjar.

— E desde quando você virou crente?

— Desde que conheci o mal.

Não sei por que disse aquela frase. Foi como se estivesse ali, na ponta de língua,

até aquele instante, pronta para ser lançada no ar. Sento atrás da carreira sem dizer

mais nada. Percebo a presença do caderno roxo na mochila, como se vibrasse com

uma força sinistra.

O professor de história entra em seguida.

Junto com o diretor Scrooge. Fazem um sinal para a turma levantar.

O diretor está de terno cinza-escuro, camisa branca e gravata bordô. Parece

saído de um daqueles filmes dos anos sessenta em que todo mundo se ama e a vida é

um longo e festivo cruzeiro navegando em mares de uísque com gelo.

Começa a falar com sua voz estridente e venenosa:

— Bom dia, meus jovens. Estou aqui para dar uma notícia maravilhosa.

Meus colegas e eu trocamos olhares cheios de desconfiança, e ele parece quase

feliz com isso. E continua:

— Acabamos de fechar um acordo com o Museu de Arte Contemporânea, e

cada turma vai poder fazer uma visita gratuita a uma de suas exposições anuais. E os

primeiros sorteados foram justamente vocês...

Scrooge fala como um publicitário tentando vender o último modelo de

aspirador de pó autolimpante, ecológico, de baixo consumo e mais inteligente que

você, mas que custa o triplo do modelo que você já possui. E, ainda por cima, você

tem que acreditar que está fazendo um grande negócio.

— A exposição deste ano é uma individual de Markos, um fotógrafo famoso,

que certamente interessará a todos vocês... Trata-se de uma centena de fotos...

— Foto é melhor que quadro, pelo menos — comenta baixinho uma das quatro

‚bolsinhas'.

Penso que para mim tanto faz e que a exposição é só uma desculpa para sair de

dentro dessas quatro paredes.

— A visita foi marcada para amanhã, portanto aconselho que tragam seus

documentos e venham preparados. Não se esqueçam de olhar as imagens com a

mente aberta e os olhos atentos...

Olhos. Não estou ouvindo mais. Olhos. Os olhos do homem da papelaria boiam

na minha mente como manchas de petróleo no mar. O Master também tinha olhos

de gelo, estranhamente luminosos.

Como ligar esses dois fatos?

— Ei, Alma! — Ouço a voz de Naomi me chamando.

Percebo que o professor de história está bem na minha frente e seu olhar não

deixa transparecer nada de bom. Scrooge não está mais lá. Nem notei quando ele

saiu.

— E então, senhorita, já acabou de pensar em seus probleminhas?

Gostaria de responder: ainda não, como quer que me interrese por uma aula

como a sua!, mas me limitei a dizer:

— Desculpe, professor.

Escapo do exame oral por um triz e continuo a pensar nos meus probleminhas.

♦♦♦

As horas passam lentamente. O final da manhã chega como uma benção. Um

rio humano deságua pela porta do instituto, que fica parecendo um campo militar

abandonado.

Estou entre os últimos a descer. No primeiro andar, a porta do laboratório de

química está aberta. Vejo a figura magra do Professor K remexendo seus vidrinhos.

Vou até lá, indecisa.

— Bom dia — cumprimenta ele, sem se virar. Sua voz é calma e regular, como

sempre. Mas, pelo tom, acho que me reconheceu.

No entanto, de costas como estava, só podia ouvir meus passos.

— Bom dia – respondo.

Então ele finalmente se vira e olha para mim por trás dos óculos escuros.

— Está tudo bem, Alma?

Não sei por quê, mas aquela pergunta soa estranha, muito pessoal para o

Professor K.

— Tudo bem, obrigada — minto.

Tenho a impressão de que o seu olhar ficou mais intenso por trás da escuridão

das lentes.

Será que não acredita em mim?

— Você é forte, não se esqueça disso.

— Por que está me dizendo isso?

— Está com um jeito preocupado. É meu dever como professor tentar ajudá-la.

Está vendo essas provetas? — Mostra os dois minúsculos tubos de vidro que segura

com as mãos enluvadas: o primeiro com tampa verde, o outro com tampa vermelha.

— Um contém o vírus, o outro o antídoto. É assim que funciona: para tudo existe

sempre um remédio. Basta saber procurar.

O sujeito sempre foi enigmático, mas hoje parece uma esfinge. Acabou de me

dar uma espécie de resposta para uma pergunta que não me lembro de ter feito. Mas

a solução que procurava está em suas palavras: era exatamente aquilo que precisava

ouvir naquele momento.

Antídoto. Preciso de um antídoto.