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Não sei o que me deu na cabeça para prometer a Agatha que voltaria a àquela casa de

pesadelo para pegar seu gato. Mas prometi e não posso voltar atrás. Já é quase noite

e, por mais que a ideia de entrar ar no escuro me dê arrepios, é a única solução segura

para não ser vista.

A casa das conchas está do outro lado da rua, na minha frente sinistra e séria.

Parece que acabou de brotar do mar, como um rochedo da desgraça, só para me

desafiar a entrar pela última vez, que pode ser mortal.

Olho as janelas altas e estreitas do primeiro andar e elas se deformam como

olhos diabólicos; a porta é uma boca faminta que quer me engolir, que se abre

deixando escapar um hálito de morte, que grita e ri porque vai me abocanhar e me

arrastar para dentro do ventre do monstro. Sacudo a cabeça, fecho e reabro os olhos.

A casa voltou a ser normal, se é que existe alguma coisa normal por ali.

Luto contra o medo, repetindo que é só uma casa, tijolos, areia e nada mais. E

tento cumprir a promessa feita.

Chegando mais perto, vejo a fita amarela que a polícia colocou no portão e na

porta para impedir o acesso de pessoas não autorizadas. Lá vou eu cometer mais um

crime. Que alguém me proteja!

Tiro a fita do portão, só o suficiente para passar, e recoloco no mesmo lugar com

cuidado. Dou uma olhada rápida na porta, mas, como da outra vez, não pretendo

usá-la, mesmo com Agatha atrás das grades. Vejo sua bicicleta de corrida encostada

no muro. Muito tempo vai passar antes que ela possa usá-la de novo.

Procuro a janelinha do porão. Já conheço bem o caminho. O jardim é uma selva

de sombras que se agitam ariscas e de pequenos ruídos que grudam na minha pele

como sanguessugas nojentas. Acelero o passem abaixar a guarda. É só impressão,

repito para me tranquilizar, mas não adianta muito.

Finalmente, encontro a janela do porão. Tento abaixá-la. Inútil.

Alguém deve ter fechado por dentro. Talvez a polícia, quando revistou casa. E

agora, como vou entrar?

Olho para a porta transformada, revejo a boca escancarada e estremeço. Não,

prefiro passar por aqui mesmo. Como vi fazerem no cinema, tiro a jaqueta, enrolo no

braço, conto até três e dou uma pancada seca no vidro, que se parte em mil

pedacinhos. Esperando não ter acordado toda a vizinhança, retiro os cacos que

circundam a borda da janela como garras afiadas e me enfio lá para dentro.

A descoberta e a retirada do cadáver da tia não afastaram aquele cheiro fétido

que flutuava no porão.

Só então pego a lanterna que trouxe na mochila e acendo. O feixe de luz azulada

ilumina o caos que me cerca. Velhas gavetas, vidros de todas as dimensões e

conteúdos, uma escada enferrujada. Noto que os objetos não estão onde estavam

quando fiz minha última visita. Avanço com cuidado, atenta para não tocar em nada.

Tudo aqui dentro é infecto.

Ao chegar à porta em cima da escada, giro a maçaneta e entro na casa. O

corredor é escuro e assustadoramente silencioso. Por um segundo, penso que preferia

quando Agatha e a tia ainda estavam lá: agora que estou sozinha, a casa pode fazer o

que bem entender. Pode me devorar e sumir comigo para sempre. Engulo em seco

algo que parece um bolo de espinhos e sigo adiante.

Até agora, nenhum sinal do gato.

— Gato!? — tento chamar, mas tenho a impressão de que esse tipo de

chamamento só funciona com cachorros.

De fato, Gato não aparece.

Chego à entrada e sinto de novo o cheiro acre dos remédios. Acho que nunca vai

abandonar essas paredes. Já faz parte da alma da casa. Resolvo dar uma olhada na

cozinha, para ver se o gato está por lá. Os vidros e ampolas com as soluções químicas

desapareceram. No chão, uma tigela vazia me faz entender que o gato já esgotou suas

provisões há tempos. Não vejo nada por ali que seja digno de nota.

Antes de ir para o andar de cima, tento abrir as portas ao longo do corredor que

vai da cozinha até a entrada, mas estão definitivamente fechadas. Fico me

perguntando que segredos esconderão. Às minhas costas, a grande estante de livros

pesa sobre mim com seus volumes poeirentos. Fantasio que eles abandonam suas

prateleiras e partem voando, como num passe de mágica, e tentam me esmagar sob

seu peso. Repito comigo mesma que preciso dar um basta nessas fantasias idiotas.

Subo lentamente o primeiro lance da escada. Ainda nenhum sinal do gato.

Espero que esteja no andar de cima.

Chego ao patamar. O sofá xadrez ainda está lá, com as cobertas empilhadas de

um lado e o guarda-chuva apoiado num dos braços. O último lance da escada é, de

novo, o mais difícil, embora eu saiba que não há nenhum cadáver me esperando lá

em cima, apenas o carpete vermelho-sangue.

O quarto da tia de Agatha está vazio, a cama enorme em que estava deitada

ainda está desfeita, como se estivesse esperando que ela voltasse para dormir. O fato

de tudo na casa permanecer exatamente como estava antes, esperando que seus

legítimos proprietários voltem a tomar posse dela, me dá mais medo ainda. Tenho

vontade de dizer às paredes que eles não voltarão nunca mais. Mas tenho medo de

que resolvam cair em cima de mim e sepultar-me sob os destroços de sua desilusão.

— Gato? — chamo novamente.

Nenhuma resposta.

Volto para o corredor e me pergunto qual das outras três portas esconde o

quarto de Agatha. Tento abrir uma delas: para minha grande surpresa, não está

fechada à chave. Estou num quarto grande e cheio de móveis cobertos com grandes

lençóis brancos: parecem gigantescos fantasmas. Pego a ponta de um deles e puxo

descobrindo um móvel. Uma nuvem de poeira cai sobre mim, e o raio de luz da

minha lanterna recebe um chuvisco que parece plâncton. Por um instante, tenho a

nítida sensação de que a casa se move e de que está me arrastando com ela para as

escuras profundezas dos abismos.

O móvel que descobri é uma velha penteadeira com espelho. A luz da lanterna

cai sobre minha imagem refletida, que iluminada assim é fantasmagórica. Olho para

mim, hipnotizada: não sou eu... É Larissa!

Ela sorri, a boca espumando comprimidos coloridos. E ri. Continua a me

encarar enquanto sua pele vai ficando verde e começa a se dissolver, se descolando do

osso do crânio. Ri ainda mais alto. Uma risada cortante, que se enfia por baixo da

minha pele e explode em mil escamas.

Fecho os olhos e corro o mais rápido que posso, batendo a porta às minhas

costas.

Encostada à parede do corredor, tento recuperar o fôlego.

Mas onde diabos se meteu aquela droga de gato? Talvez esteja exatamente no

quarto de Agatha. Preciso fazer um último esforço, digo a mim mesma, com as

pernas tremendo sem parar.

Abro a porta ao lado, empurrando-a com a mão, o braço estendido para não ter

que entrar naquilo que descubro ser um banheiro. Aponto a lanterna para a frente e o

feixe de luz revela um ambiente longo e estreito, com uma velha banheira apoiada

em quatro pés, cercada por uma cortina de plástico amarelada com algumas argolas

faltando. Diante dela, a pia e o espelho. Não vou conseguir enfrentar outro espelho.

Vou até a última peça da casa, ao lado do quarto da tia. A porta está entreaberta.

Faço questão de interpretar isso como um bom sinal.

Empurro levemente com os dedos e ilumino o interior. Dois olhos amarelos

furam a escuridão e me encaram, cheios de ameaças. Dou um passo para trás,

aterrorizada. Estou com os nervos à flor da pele.

Os olhos se movem, vêm ao meu encontro. Ando para trás e caio no chão. A luz

gira no ar desenhando círculos enlouquecidos.

Tenho vontade de gritar, mas de minha garganta sai apenas um gemido

sufocado.

Os olhos estão quase em cima de mim, cortantes como punhais.

Aponto a lanterna para eles. É a única arma que tenho. Um pouco mais baixo,

uma boca de dentes afiados se escancara.

Encontrei o gato. Ele avança em minha direção, silencioso, mas inexorável. É só

um gato, penso comigo, mas é o gato de Agatha e, como tudo aqui dentro, me dá

um medo mortal.

Ainda lembro o pavor que senti quando, escondida embaixo da cama, vi aquele

gato andando na minha direção. Revejo os tênis vermelhos de Agatha, sentada no

colchão junto à tia. Faltou muito pouco para que o gato denunciasse minha presença.

Sou uma garota de sorte, afinal.

O animal para ao meu lado. Prendo a respiração. Mas ele se esfrega nas minhas

pernas, mansinho. Tento relaxar, mas ainda me sinto rígida como um bloco de

mármore. Consigo levantar e começo a rir de puro nervoso.

— É só uma droga de gato, numa droga de casa vazia, Alma! Mas alguma coisa

naquele ar escuro e pesado parece devorar minhas palavras assim que as pronuncio.

Dou uma olhada na direção do quarto de onde o gato saiu. Em seguida, desvio

os olhos para a escada. A escolha é difícil. Não queria ficar aqui nem mais um

minuto, mas a curiosidade de fuçar a vida misteriosa de Agatha é forte. E leva a

melhor.

Entro no quarto, com cuidado e certo receio, como se Agatha pudesse me ver.