A encenação que armamos para enganar Adam foi marcada para hoje à meia-noite.
Portanto, aqui estou eu, pronta para representar meu papel.
Escondida atrás do tronco de uma árvore, como um traficante de meia-tigela,
vejo Adam chegar, estacionar a moto e tirar o capacete. Só tenho alguns segundos
para agir e preciso escolher o momento certo. O tempo é muito importante para que
as coisas funcionem bem. Começo a correr, pensando em tudo de mau que me
aconteceu nesse último período, o que não requer nenhum esforço. Tenho que
parecer aterrorizada, perturbada. E tenho que fazer isso muito bem, pois Adam não é
nenhum idiota e já viu cara a cara a Alma em versão trágica, ou seja, a verdadeira.
Portanto, faço de conta que estou sendo seguida por um Master, talvez o mesmo
que matou o homem-anjo. Corro o mais rápido que posso e quase tropeço numa
rachadura que se abriu na calçada, perto da raiz de uma árvore, e que parece uma
ferida aberta.
Adam me vê quase no mesmo instante e corre ao meu encontro.
Os olhos! Não podem me trair. Caio em seus braços e escondo o rosto em seu
peito. É quente e tem cheiro de roupa lavada. Oferece um consolo que não pedi, mas
que no fundo é necessário.
— O que houve, Alma? Por que está correndo desse jeito? — pergunta ele num
tom angustiado. Não sei se está surpreso por me ver fugindo de alguém ou por me
ver cair em seus braços.
Tento recuperar o fôlego, mas com calma, para dosar a eficiência de minha
representação.
— Um homem... está me seguindo.
Ele estica o pescoço e começa a olhar ao redor como um felino pronto para a
caça.
Quase sorrio, mas me reprimo e continuo concentrada no meu papel de
desesperada.
— Não estou vendo ninguém... Tem certeza?
É o momento de usar minha arma secreta. Ergo o olhar, brilhante de emoção, e
encaro Adam com os olhos mais arregalados, mais assustados e infantis que consigo
fazer.
— Juro. Estava no ônibus e desceu no mesmo ponto que eu... era um sujeito
esquisito... resolvi acelerar o passo, mas ele veio atrás de mim. Então, comecei a
correr. E ele também. Fiquei apavorada!
Ele estranha. Talvez eu tenha exagerado no papel de mocinha em dificuldades.
Afinal ele já me viu no meio da noite, armada com um facão.
De repente, me afasto dele, como se algo dentro de mim tivesse recuperado o
controle da situação e a Alma de sempre, a malvada, tivesse agarrado a boazinha pelo
colarinho e tomado seu lugar, despeitada.
— Não está acreditando, não é?
— Estou, claro!
— Não, estou lendo em seus olhos. Se pensa que sou uma dessas patricinhas
que choram a toda hora, está muito enganado. Pensei que depois da outra noite... —
me interrompo.
— Pensou o quê?
— Deixe para lá. Só sei de uma coisa: não dá para confiar em vocês, homens. Só
servem mesmo para estufar o peito e se exibir como pavões idiotas, mas quando a
gente precisa de vocês bate a meia-noite e o coração de leão vira uma abóbora! De
hoje em diante, faça-me um favor, Adam: se me vir em dificuldade, dê meia-volta e
desapareça!
Dito isso, com todo o veneno e a raiva de que sou capaz, vou embora e deixo
Adam ali, paralisado, os olhos arregalados como um cadáver com rigor mortis.
Vai funcionar.
♦♦♦
Quando Morgan passa para me buscar em casa, às 23h30, tenho certeza de que
Adam está escondido em algum lugar, no escuro, vigiando.
Depois de minha pequena atuação de hoje de manhã, me comportei como uma
louca descontrolada pelo resto do dia, tanto dentro quanto fora da escola, em todas as
ocasiões em que ele pudesse me ver. Mergulhei com tanta convicção no papel que já
nem sei se foi só fingimento ou se a tampa que prendia toda a minha angústia no
fundo do coração não aguentou mais essa prova e explodiu. O pior é que agora não
consigo recolocar tudo lá dentro de novo.
De todo modo, o plano é esse e tenho que segui-lo.
Assim que entro no carro, percebo que Morgan está com cara de enterro.
— Aconteceu alguma coisa?
— Talvez.
— O que quer dizer?
— Não houve mais nenhum assassinato, mas o número de suicídios aumentou.
— Como é que sabe disso?
— Procuramos ler os jornais, nos informar, é um dado muito importante para
nós. Para saber o que devemos esperar.
— Uma nova onda de Não Nascidos.
— Temo que sim. As coisas andam calmas demais, como aquele silêncio irreal
antes de um tsunami que arrasta tudo o que encontra, sem deixar escapatória.
— Está me assustando.
— Não precisa ter medo. E o Adam? Caiu na sua história?
Sorrio.
— Posso dizer que caiu.
— Então, segundo as suas previsões, deve estar nos seguindo?
Faço que sim, dando uma olhada no espelhinho lateral do carro. Vejo o farol
duplo de uma moto atrás de nós, nos seguindo como os olhos de um predador
faminto.
— Fiz o melhor que pude. Não vai falhar, você vai ver...
Deixamos o carro no lugar de sempre, perto do cemitério. As lápides de pedra
continuam ali, imóveis, enfiadas na terra como cartões de plástico que os floristas
enfiam nos vasos para informar os nomes das plantas.
— Lá está ele — murmuro, quando entramos numa das ruazinhas que levam ao
aqueduto.
Morgan vira para trás e, como eu, vê dois pequenos faróis redondos se apagarem
apressadamente às nossas costas.
Continuamos a caminhar como se nada tivesse acontecido.
— Estou nervosa.
— Eu sei, mas esteve ótima. As coisas estão caminhando como esperávamos. Ele
está nos seguindo e logo tudo terá chegado ao fim.
— Espero.
— Como assim, espero? A ideia foi toda sua.
Olho para ele e fico me perguntando se alguma vez já se sentiu inseguro, se por
trás daquela segurança também não se esconde um pouco de dúvida. Talvez não.
Em forma de foice a lua brilha no céu, mais luminosa e altiva do que nunca.
Uma vez, li a respeito de um povo que acreditava que o sol era devorado
diariamente por um grande leopardo que vivia no céu e que a noite descia sobre a
terra por causa disso. A lua, segundo essa lenda bizarra, não seria nada mais que o sol
engolido pelo leopardo. No fundo, a fantasia é muito mais interessante do que a
realidade. Mas talvez seja apenas mais verdadeira.
Rua após rua, chegamos ao velho prédio do aqueduto. Morgan abre a porta,
cada vez mais desconjuntada, bem devagar e tira uma lanterna do bolso da jaqueta.
O feixe de luz penetra na escuridão como uma broca. Caminhamos para a segunda
sala. Por um segundo, embora já tenha vindo aqui um monte de vezes, estremeço
com medo de encontrar alguma coisa terrível.
— O que há com você?
— Nada. Tive uma sensação ruim.
— É Ele, Alma, tentando influenciar você em pensamento. Sei que é difícil,
mas deve ignorá-lo. Não aceite o medo, recuse, não deixe que leve a melhor.
Parece que estou usando uma máscara que me envolve e cria uma barreira entre
mim e o que está a meu redor: cores, cheiros, sabores, todas as coisas. Tudo passa
através do seu filtro, nada chega em mim como era na origem.
— Tudo bem. Vamos — digo, tentando criar coragem.
O resto do pessoal está na segunda sala e todos estão bem. Estão sentados em
círculo, e só esperam por nós. Seus rostos parecem fantasmagóricos na luz amarelada
e trêmula das velas colocadas no centro do círculo. Observo o rosto de Miei. O que
estaria conversando com Roth? O ar está carregado com um cheiro muito forte de
incenso, que flutua sob a forma de uma fumaça densa e nebulosa. Ela sai da boca de
um vasinho de metal colocado bem ao lado das velas.
Quando nos veem chegar, todos os olhos se voltam para nós, atentos. Não
dizem nada, não é necessário.
Morgan e eu tomamos lugar, um ao lado do outro, ele com Anel do outro lado,
eu com Raul.
Damos as mãos. A mão de Morgan é familiar, mas a de Raul é dura e áspera.
Naquele exato momento, percebo que não sei nada sobre ele: onde vive, o que faz, o
que gosta de fazer, quem são seus amigos, se é que os tem. Mas talvez seja melhor
assim, talvez seja a nossa regra: ninguém sabe nada de ninguém, porque aquilo que
vivemos aqui na Terra como seres humanos não conta. Somos apenas os Não
Nascidos.
Morgan é o primeiro a falar, recitando seu papel:
— Espíritos que povoam o mundo do além, almas perdidas nas terras desoladas
feitas de água e vazio, espíritos que um dia viveram e respiraram como nós fazemos
agora, ajudem-nos a entender. Ajudem-nos a não desistir, digam o que devemos
fazer para nos tornarmos fortes e espertos...
Nunca assisti a uma sessão espírita antes, mas as palavras de Morgan se enfiam
sob minha pele como uma agulha finíssima e injetam toda a tristeza do mundo em
minhas veias. É como se ele realmente pedisse ajuda a alguém, como se nós fôssemos
os verdadeiros objetos daquela prece. Está tão concentrado em seu papel que não está
mais fingindo.
Será que Adam já está escondido em algum lugar? Fico de orelhas em pé para
tentar captar algum som além da voz de Morgan. Ouço um silêncio mais distante,
retorno mentalmente para a primeira sala e, com os olhos da imaginação, vejo uma
figura escondida na escuridão poeirenta, tomando cuidado para não mover nem o ar,
com medo de ser descoberta. Sinto as batidas de seu coração humano, sua respiração
quente se transformando em fumaça na fria umidade em que estamos mergulhados.
Estamos sentados aqui de olhos fechados. Adam está atrás de uma parede,
espiando.
Morgan continua a falar, nós a recitar até que, de repente, alguma coisa
acontece. A mão de Raul fica mais tensa de um lado, a mão de Morgan também, do
outro. Com os olhos, só vejo a escuridão, mas com o coração sinto que não estamos
sozinhos. Dura pouquíssimo, o tempo de um batimento. Sinto um fluxo de ar e de
energia entre nós, como uma corrente contínua que percorre o círculo que formamos.
O fio de incenso se debate como se quisesse fugir para longe. Reabro os olhos de
repente e percebo que todos os outros fizeram o mesmo.
As velas se apagam naquele exato momento.
Está tudo acabado.
— O que houve? — pergunta Anel, assustada.
— Não sei responde Morgan —, mas seja o que for estava aqui e era muito
forte.
Soltamos as mãos uns dos outros. As minhas estão rígidas e dormentes.
Morgan acende a lanterna.
Estamos confusos. Nós, os atores, viramos personagens.
Nenhum som chega da outra sala, nenhum sinal de vida. Não há como saber se
Adam ainda está lá.
Levanto e dirijo-me para a saída.
— Pare! — diz Morgan.
Não dou ouvidos. Está quase escuro, mas, sem saber como, consigo distinguir
os contornos, que na outra sala não são mais que sombras incertas. Está vazia. Abro a
porta e vou para a rua. Graças à luz dos lampiões, vejo que não estou sonhando, que
estou acordada. E estou procurando alguém. Vou para o cemitério. No começo, estou
caminhando, depois começo a correr.
Não vejo ninguém. Só ouço o ronco de um motor que parte à distância.
Só pode ser a moto de Adam.