Estou preparada para uma volta ao lar como todas as outras, mas não é o que
acontece. Dessa vez, tem uma coisa esperando por mim. Está dentro de um envelope
branco retangular. Não o encontro logo que entro. Nunca tem nada de novo para
mim, de que adianta olhar? Só vejo o envelope mais tarde, quando mexo na
escrivaninha procurando um livro. A carta está lá, com meu nome e meu endereço
escritos, preto no branco, com uma letra firme e levemente inclinada para a direita.
Reconheço alguma coisa familiar na forma como escreve os números, mas não há
nada atrás, nenhum remetente.
Com o envelope na mão, sento em minha cama. Apesar da curiosidade, me sinto
cansada. Só queria dormir.
Rasgo a parte de cima com um dedo. A cola passada nas margens não oferece
resistência. Retiro uma folha dobrada em três. Desdobro e começo a ler.
Minha querida Alma,
sei que esta carta vai surpreender você, mas espero que possa lhe dar, pelo
menos em parte, o consolo que meu desaparecimento repentino lhe tenha retirado.
Não dei explicações, nem posso dá-las agora. Só posso pedir que fique tranquila
quanto à minha saúde e quanto ao fato de que, assim que puder, estarei de volta ao
seu lado, conforme prometido. E pedír também que acredite: se dependesse só de
mim, voltaria agora mesmo, mas como já deve ter percebido, fazemos parte de um
sistema maior do que nós, que nos leva sempre para outros caminhos, que é melhor
seguir para não ser arrastado.
Por isso, peço que seja paciente, que confie em minhas palavras. Sei que sabe,
no fundo do seu coração, que elas são verdadeiras. Suponho que tenha imaginado mil
hipóteses para explicar por que desapareci desse modo. Não perca tempo com isso,
nunca poderia imaginar os motivos. Garanto que vai ter dificuldade para entendê-los
mesmo quando eu lhe disser quais são, ao voltar. Concentre-se em sua vida, trate de
protegê-la ficando bem longe dos Masters e de tudo aquilo que seu instinto
considerar perigoso. É de fundamental importância, e não só para você.
Perdoe minhas frases enigmáticas e meus pensamentos aparentemente
incoerentes. Existe um fio que liga todas as coisas e ele é forte. Não permitir que ele
se quebre depende de você também.
Siga as minhas recomendações e tome cuidado.
Sei que não pode entender por enquanto, mas logo tudo vai ficar mais claro e
estarei de novo ao seu lado.
À espera desse momento, saiba que estou sempre por perto, mais do que você
pode imaginar.
Morgan
Releio uma, duas, três, quatro vezes essas linhas que realmente não eperava, mas
que sempre tive esperança de ler. Morgan está bem e está por perto. Não me
abandonou para sempre. Examino o envelope à procura do carimbo postal. É da
cidade. Ele está aqui! Mas, então, por que não encontrei nenhum sinal de sua
presença no endereço que Adam me deu? Por que parece que ele nunca existiu? Que
razões serão essas que o mantêm afastado de mim? Não devo pensar nisso, diz ele.
Vai me explicar quando chegar a hora. E, enquanto isso, tenho que esperar, mas
agora com uma esperança mais concreta de revê-lo em breve.
Tiro a roupa e me preparo para dormir. Encolhida sob as cobertas, aperto a carta
contra o peito, como se o simples fato de que Morgan tenha escrito a carta, tocado
aquela folha de papel, pudesse me dar o calor de que tanto preciso. É o que acontece
ou talvez seja apenas o cansaço: num sono profundo e sem sonhos, do qual não queria
despertar nunca mais.