Jamais poderia, nem com grande esforço, imaginar o lugar em que Markos mora.
Não é pelas quatro ruas que atravessam a cidadezinha ou pelo fato de que não
demoro a perceber que só tem uma loja, uma igreja, uma estação, uma escola, um
posto dos correios e assim por diante. Na verdade, é porque não se v uma alma viva
pelas ruas. Ao sair da estação, tão pequena que parece aqueles brinquedos de plástico
para crianças, caio numa ruazinha estreita e deserta, ladeada por árvores esqueléticas.
Resolvo colocar o chapéu que trouxe na mochila, caso encontre alguém, talvez o
próprio Markos. Sigo pela rua mais um pouco, com o caderno onde anotei o endereço
do fotógrafo aberto na mão. Respiro a plenos pulmões aquele ar que pinica as narinas
de tão fresco. Levanto os olhos para o céu, que me parece mais distante.
Dobro na primeira à direita. Passo na frente de uma igreja com o portão meio
caído. Mais adiante, topo com a única loja da cidade. Por sorte, está aberta. Entro.
Não é muito grande, mas está cheia de mercadorias de todo tipo: das roupas aos
alimentos, aos jornais e às ferramentas de jardinagem. Tem de tudo, mergulhado na
sombra pesada de uma série de cortinas que cobrem a vitrine e a porta. Parece que
não tem ninguém. Depois, uma cabeça de mulher desponta por trás do balcão, com
os cabelos escuros presos num coque muito bem-arrumado. Dois olhos escuros e
perfurantes me identificam — ‚desconhecida' — e grudam em mim como pregos.
— Bom dia — digo.
— Deseja? — Tem uma voz áspera, como se alguém tivesse lixado suas cordas
vocais.
— Estou procurando esse endereço — digo, mostrando o caderno.
Ela olha distraidamente e sai do balcão, dirigindo-se para a porta. Está vendo
aquela casa? — Indica uma grande mansão cercada de grandes árvores sempre-
verdes, que se destaca numa colina logo depois dos limites da cidade. — É ali. Mas,
se eu fosse você, pensaria bem antes de ir até lá.
Olho para ela. De perto, noto que a pele murcha, cheia de manchas de velhice,
também é estranhamente pálida e que, em compensação, os cabelos são negros como
carvão, certamente pintados.
—E por quê?
— Não sabe mesmo? — Aproxima-se de mim e me encara dIretamente nos
olhos. Fica assim por alguns instantes até que, de repente, seus olhos se arregalam de
terror e ela começa a andar para trás.
— Não é possível, não é possível — continua a repetir, as mãos esticadas para a
frente, como se quisesse se defender de mim.
— Do que está falando, o que houve?
— Suma daqui. Maldita! Saia! — berra ela.
Fico apavorada.
— O que está fazendo? Nem nos conhecemos...
— Me deixe em paz. Suma daqui!
Quando tento me aproximar, a mulher agarra uma vassoura pendurada num
gancho e levanta como se fosse me atacar.
— Maldita seja! — berra de novo, aos prantos.
Resolvo sair antes que a coisa fique pior ainda. Na rua, corro o mais rápido que
posso, a respiração pesando nos pulmões e a pele rígida como uma couraça. Só paro
depois de colocar uma distância segura entre mim e a loja. Olho para trás. Não há
ninguém. Na minha frente, uma rua longa e reta que conduz à casa do fotógrafo.
Tento me acalmar e pensar um pouco: por que a mulher reagiu daquele jeito? A
única explicação é que me confundiu com Larissa e achou que estava diante de um
fantasma. No entanto... tinha algo mais. O que se esconde por trás do suicídio de
Larissa? A explicação está naquela casa, lá na pequena colina.
À medida que chego mais perto, minha agitação aumenta. Tento me convencer
de que é apenas uma impressão. Aquela mulher assustaria qualquer um com seus
gritos loucos.
Não sei quanto tempo levo, mas no final de uma pequena subida, estou diante
da casa. É grande, tem dois andares e é protegida por um pequeno bosque que
esconde uma boa parte da construção. Aquela cobertura natural não aconteceu por
acaso. É o que descubro assim que olho melhor: a casa tem mais vidraças do que
paredes! Vidros enormes sustentados por pequenas placas de madeira permitem que
qualquer um espione a vida de quem mora ali.
É o que faço, mas vejo apenas um salão vazio. Resolvo dar a volta na casa. Cada
lado dá para um ambiente diferente: uma cozinha, um quarto, outro quarto. Ainda
não vi ninguém.
Um barulho de asas batendo bem em cima da minha cabeça me faz saltar.
— Acalme-se, Alma. É só um passarinho! — digo baixinho a mim mesma.
Volto para a porta de entrada, na fachada frontal. Se tem alguém em casa, deve
estar no andar de cima.
Tenho que tentar.
Toco a campainha. Fica no meio de uma placa oval de latão, sem nenhum nome
gravado.
O som da campainha, que tem alguma coisa desafinada, ecoa no silêncio do
jardim, como o estrondo de um trovão.
Espero alguns segundos com a respiração suspensa. Depois, ouço um barulho de
passos atrás da porta. Alguém está tentando abrir.
Dou um passo para trás, instintivamente, depois da péssima experiência na loja.
Um homem, não muito alto, mas forte, surge na minha frente. Está de camisa
bege e calças de veludo marrom. Tem cabelos castanhos, com alguns fios brancos, tão
despenteados e descuidados quanto a barba que esconde os lábios finos. Apoiados no
nariz longo e fino, os óculos redondos de armação vermelha são a única nota viva no
rosto sombrio e sério.
Por baixo da aba do chapéu, encaro seus olhos escuros e densos como petróleo e
tenho a sensação de que seriam capazes de me engolir.
O homem não diz nada. Espera que eu fale.
— Olá. Estou procurando o sr. Markos.
— Quem é você?
Seu tom é pacato, conformado, de quem não acredita em mais nada.
Nessa altura dos fatos, retiro o chapéu. Meus cabelos caem nos ombros como
um manto negro. Levanto o rosto e olho para ele.
Está chorando.