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O pedido de Lina não deixa margem à dúvida.

Uma e quinze em ponto. Estou na frente da sua escola, conforme combinado.

Dessa vez, não me esqueci. Nunca mais vou fazer isso.

— Vamos comer batata frita? — escreve ela no caderno, um daqueles com as

linhas separadas de duas em duas que se usam para aprender a escrever. Olha para

mim com os olhinhos cheios de esperança.

O que eu poderia dizer senão:

— Está bem. Quer ir à lanchonete de Gad, não é?

Ela faz que sim e segura minha mão: ela me dá a mão. Resolvemos caminhar em

vez de entrar num meio de transporte qualquer, barulhento e cheio.

A tarde é bastante luminosa e amena. Algumas folhinhas verdes aparecem na

ponta dos galhos e um cheiro vago de primavera flutua no ar, combatendo o fedor do

smog que se espalha como um gás venenoso.

Na lanchonete de Gad flutua outro tipo de gás, igualmente venenoso mas

infinitamente mais atraente: o cheiro de fritura. Reconheceria aquele cheiro em um

milhão. Não sei se é por causa do óleo que ele usa, do metal das panelas ou da

qualidade dos alimentos, mas não importa: é o cheiro da lanchonete Gustibus.

— Alma! Lina! Que prazer em revê-las! — nos recebe Gad, com sua carga

habitual de afeição.

— Oi, Gad!

A meu lado, Lina sorri feliz.

— Venham, sentem. Que surpresa boa...

— Estávamos com desejo de comer suas famosas batatas fritas. Sobretudo uma

de nós duas... — digo, olhando para Lina.

Gad ri.

— Posso imaginar qual seja... Já estão chegando. Mais alguma coisa?

— Frango também, se tiver. Seu frango frito é divino.

— Vou preparar um especialmente para vocês. Sua mãe está bem? — pergunta

antes de sair.

Sei que eles não têm se falado e a tristeza de seu olhar me convence de que não

foi uma escolha sua.

— Pois é, anda trabalhando muito. Sabe como é... Passa mais tempo no hospital

do que em casa — digo para consolá-lo.

— É, eu sei. É uma mulher incrível. Devem se orgulhar dela. Entra atrás do

balcão e começa a fritar nossos pedidos. Duas mesas adiante, às costas de Lina, está

sentado um grupo de rapazes. Fazem uma bagunça enorme. Falam das meninas, de

uma lourinha nada mau que frequenta um curso de kick boxing com um dele, que

queria convidá-la para ir à sua casa e...

Como se permitem? Tem uma criança aqui!

— Espere um pouco — digo a Lina. Levanto e vou até a mesa deles.

— Desculpem a interrupção, mas minha irmã só tem 9 anos e acho que não está

nem um pouco interessada nas coisas que pretendem fazer com a lourinha do kick

boxing. Entenderam? — digo ao menino que estava falando.

— Oi, beleza. Não precisa se incomodar — se intromete outro que tem uma

espinha para cada milímetro de pele.

— Melhor assim.

Estou dando meia-volta quando o sujeito do kick boxing segura meu pulso.

Consigo me livrar com um puxão e, com os olhos cravados nos dele, respondo:

— Nunca mais faça isso.

— Senão?

— Senão eu mato você — respondo sem pensar.

Devo ter falado num tom muito convincente, pois eles param de rir e olham

para mim como se tivesse ficado verde.

— Deixe ela em paz — diz o espinhento. — Não bate bem da cabeça.

Volto para a minha mesa, satisfeita.

Gad chega em seguida com dois pratos fumegantes.

— Está tudo bem, Alma?

— Tudo bem.

— Posso mandá-los embora se estiverem incomodando.

— Não, já está tudo bem.

Aqueles sujeitos me fizeram lembrar de Tea.

— E sua filha, como vai? Não está aqui hoje...

Uma sombra passa por seu rosto.

— Na verdade, não a vejo há algum tempo. Disse que estava com problemas e

que era melhor deixá-la em paz. É o que estou fazendo, mas não posso deixar de me

preocupar.

Com a história da seita de Tito, a polícia pode ter chegado a ela.

Talvez também tenha sido interrogada...

No fundo, bem que ela merece. Chegou até a roubar o próprio pai, não chegou?

Mordo um pedaço de frango crocante.

Sinto muito por Gad. Não deve estar sendo um período fácil. Mas, pensando

bem, não é fácil para ninguém.

— Sei que vocês não são mais amigas, mas se souber de alguma coisa...

— Claro, Gad. Se souber de qualquer coisa, falo pra você com certeza.

— Obrigada, Alma. Não queria que ela se envolvesse em alguma coisa ruim,

sabe? Aquele namorado, Michi, não é flor que se cheire.

E você não sabe como, meu caro Gad.

Chegam novos clientes, Gad vai recebê-los e indica uma mesa. É sempre tão

gentil, como se aquela gordura que o reveste como uma segunda pele contribuísse

para torná-lo mais suave com as pessoas.

Nesse meio-tempo, Lina morde um pedaço dourado de frango, depois de acabar

com as fritas.

— Está gostando, hein!

Ela concorda, a boca brilhante de óleo e os olhos de pura felicidade. Mas só um

pouco mais tarde noto que não é por causa do frango.

Seu olhar está pousado em Gad, num carinho tranquilizador. O que ela queria

era vê-lo. Talvez quisesse dizer que estamos aqui, e mesmo que a coisas não estejam

bem com Jenna, ele pode contar conosco.

Querida, pequena Lina. Que grande coração! Poderia conter todo o bem do

mundo e talvez contenha mesmo.

Quando o último pedaço de frango desaparece do prato, é hora de ir embora.

Falo com ela, levantamos e nos despedimos.

— Obrigada, Gad. Estava tudo ótimo, como sempre.

Obrigado a vocês, Alma. Voltem quando quiserem.

Lina, que substitui as palavras por gestos, chega perto dele e da um beijo em

seu rosto com a doçura que só as crianças possuem, aquela meiguice que ainda não

foi decepcionada nem poluída pela mesquinhez dos adultos.

Enquanto a observo, acontece uma coisa estranha... Não sei se e alucinação, mas

tenho a nítida impressão de que o rosto de minha irmã se acende numa luz clara e

difusa, como se alguma fada do céu, daque1 que povoam suas histórias de boa-noite,

tivesse soprado um pouco de poeira de estrelas sobre ela. Nunca a vi tão bonita e

radiosa.

Por um segundo, tenho a sensação de compreender de um jeito certo e

indiscutível o que é o Bem.