O que mais prejudica a cidade é a total indiferença de seus habitantes em relação a
ela. Ninguém olha para ela, ninguém lhe dá atenção. Todos pisam, atravessam,
sujam, usam e abandonam a cidade, convencidos de que sempre estará lá, pronta para
servi-los.
Aqui não tem metrô. O tipo de terreno não permite, disseram os especialistas.
Haveria risco de desabamento, porque o subsolo é uma sucessão de buracos. Buracos
e água por todo lado. Assim, temos que nos deslocar na superfície, amontoados, para
cima e para baixo como uma multidão de pequenos soldadinhos cumprindo seus
deveres. Até o dia em que a cidade se cansar de nós e escancarar um abismo enorme
para nos devorar junto com nossas casinhas estúpidas, nossos carrinhos de brinquedo,
nossas ridículas pretensões de desenho animado em três dimensões.
Chegamos aqui por acaso, por acidente, e é assim também que voltaremos para
o lugar de onde viemos, uns mais cedo, outros mais tarde.
Só quando estamos próximos do fim é que percebemos como tudo o que nos
rodeia é inútil. A vida de um escritor famoso escorre junto com a tinta da minha
caneta. Se eu for mais esperta e rápida, conseguirei deter sua assassina. Ou não. E
assim, quem pode garantir que minha vida também não está inseparavelmente
ligada a alguém que pode não ser tão esperto e rápido quanto eu?
Não existem certezas.
Só sei que preciso encontrar David e salvá-lo para interromper essa corrente.
Chego à fronteira do Bairro Oeste. Prédios mais baixos, três ou quatro andares
no máximo, um pouco de verde na frente, algumas varandas se destacando das
paredes como mãos estendidas implorando um pouco de sol. Nessas ruas tem gente
que não caminha simplesmente, mas gente que passeia, ou seja, caminha sem
nenhum objetivo, só pelo prazer de caminhar. Vejo rostos sorridentes, mais relaxados
do que o habitual.
Ando ao acaso, olhando sempre ao redor, mas logo noto que, sem o endereço,
não tenho nenhuma chance de encontrar a casa.
Resolvo parar um casal que vem na direção contrária. São velhos, mas estão de
mãos dadas como dois jovens. Ele, mais baixo do que ela, parece ainda mais velho,
mas tem um rosto simpático e alegre, parcial- mente coberto pelos óculos de
armação pesada. Usa um chapéu xadrez e um velho casacão verde. Ela também usa
chapéu, combinando perfeitamente com os óculos de armação tipo gatinho. Sua boca
é vistosamente vermelha, mas as pernas ainda esguias e um físico cheio de energia
permitem que mantenha a vaidade sem cair no ridículo.
— Bom dia, desculpem, estou procurando essa casa aqui — digo, mostrando a
folha que imprimi.
Tem início então uma incrível valsa dos óculos, um troca-troca para tentar
enxergar a foto.
Depois de um tempo, os dois velhinhos conseguem identificar.
Olham a foto e dão sinais de reconhecimento.
— Claro — diz ela num tom decidido, como se fosse a coisa mais óbvia desse
mundo. — É a casa do escritor, aquele com um monte de cabelo.
Relembro o retrato que vi na internet, depois examino o marido: por baixo do
chapéu despontam uns poucos cabelos finos. Comparada com isso, qualquer cabeleira
deve parecer uma floresta.
— Não fica muito longe — acrescenta ele.
Ela está me examinando de cima a baixo, com precisão cirúrgica, para tentar
entender por que estou procurando o escritor ou, mais provavelmente, para avaliar
se, no meio de tantos fãs que querem vê-lo, eu terei alguma chance de ser recebida.
— Pode me mostrar o caminho?
— Posso. Bem... — começa ele.
— Ora, melhor nem tentar — interrompe a mulher. — Consegue se perder até
dentro de casa! Deixe que eu explico, querida.
Ele fica em silêncio, conformado.
— Então, vamos ver: você segue reto por essa rua e depois dobra na... é na
segunda, não, Dado? — pergunta ao marido.
Dado? Às vezes os apelidos dos casais são realmente estranhos.
Ele faz que sim, meio irritado, como quem diz ‚sabia que ia acabar me pedindo
ajuda'.
— Então, dobre na segunda à direita e siga em frente, quantos mesmo? Bem,
mais ou menos uns 20 metros.
— Deve ser pelo menos o dobro, Íris!
— Não fique me interrompendo! Não está vendo que estou explicando o
caminho para a mocinha aqui? Depois, acabo fazendo confusão.
Ele sacode a cabeça: é evidente que Íris já faz muita confusão sem precisar de
sua ajuda.
— Desculpe, querida — diz a senhora. — Sabe, os homens são todos assim. Se
puder, não se case.
Isso nem passa pela minha cabeça, gostaria de dizer, mas fico calada para não
entrar numa discussão que imagino que não acabaria nunca. Só quero encontrar a
casa do escritor.
— Resumindo: reto, depois dobrar à direita, depois reto e depois pegar a
primeira à esquerda. Pronto, estará bem na frente dela. Da casa, não é? É muito
diferente, a única por aqui que tem uma torre. Parece um castelinho, não é, Dado?
— Mas não espera a resposta. — Esquisita... talvez um pouco inquietante...
— Agradeço muito — tento me despedir para não perder mais tempo.
— Entendeu tudo? Repita o que eu disse — diz ela.
Era só o que me faltava, ter que repetir a lição!
— Reto, segunda à direita, reto, primeira à esquerda — digo rapidamente,
enquanto ela acompanha cada palavra com um movimento aprovador da cabeça.
— Bem, já está ficando tarde. Nossa, é muito tarde, temos que ir, Dado!
Preciso costurar aquele botão, aquele da camisa azul, botar o coelho para marinar e...
E assim eles se afastam, um ao lado do outro, presos numa vida feita de botões,
coelhos para marinar e outras pequenas coisas que tornam aquela vida só ‚deles',
diferente da vida de todos os outros.
Fico me perguntando por que, quando chegam a uma certa idade, as pessoas
estão sempre com pressa. Provavelmente estão aposentados, sozinhos ou com filhos
grandes e independentes, com poucas preocupações a não ser a saúde, mas estão
sempre correndo. Talvez seja a sensação de que o tempo que têm à disposição está
acabando, de que os últimos grãos de areia na ampulheta já estão começando a cair.
Também me sinto assim: como se não tivesse tempo, porque um verme
monstruoso e gigantesco está devorando meu tempo bem debaixo dos meus olhos.
Tento caminhar mais devagar. Li em algum lugar que a percepção do tempo
varia de um momento para outro, estica e encolhe, não é uma coisa fixa. Acho que se
tentar diminuir o ritmo, talvez consiga desacelerar aquele mecanismo interno que faz
meu coração bater a mil e minha cabeça latejar como se tivesse uma mola que não
para de pulsar lá dentro.
Funciona por alguns minutos.
Sigo o caminho que a velha senhora me indicou.
E entro numa rua arborizada e silenciosa. Cheguei a meu destino: a casa com a
torre está bem na minha frente.