Não sei dizer quanto tempo fiquei deitada no chão. Uma hora? Dez minutos?
Quando levanto, ainda estou ensopada e com cheiro de cachorro molhado.
Morgan me leva para longe das piscinas.
— Não quer que entre de novo? — pergunto cheia de ironia.
— Não, por enquanto é suficiente. Como está se sentindo?
— Como se tivesse morrido e ressuscitado.
— Muito apropriado.
— Tinha alguma coisa naquela piscina... que me queria. Senti isso... Minha
cabeça começou a rodar, não tinha mais nenhum poder sobre meus pensamentos,
como se alguém tivesse roubado cada um deles...
— Num certo sentido, é isso mesmo que acontece.
Olho para meus pés e pernas nus. Por baixo da jaqueta de Morgan...estou só
com a roupa de baixo. Minhas roupas formam um montinho ensopado a meu lado.
Sem dizer nada, Morgan pega sua mochila e tira um moletom, calças compridas
e um par de tênis velhos.
— Pode vestir isso. Acho que vai servir.
Pego as roupas sem fazer perguntas. São um pouco grandes, mas secas. Pego os
tênis também, com a nítida sensação de que ele tinha programado aquilo tudo. Para
quê? Qual é o objetivo?
— Se estiver melhor, podemos ir.
— Ir para onde?
— Conhecer a verdade. Mas aviso: não vai ser fácil de encarar. Por isso, resolvi
ir aos poucos.
— Então é isso? Uma espécie de prova? Um batismo de fogo?
Os lábios de Morgan se abrem num sorriso amargo.
— É uma espécie de batismo. Só não é de fogo.
Antes de sair do salão, dou uma última olhada para as piscinas cheias d’água.
Agora parecem menos assustadoras e até menos malcheirosas. Com o tempo, a gente
se habitua a tudo, costuma dizer Jenna.
Sem uma palavra, voltamos ao labirinto de corredores. Morgan move com
segurança, como um felino em sua toca. E esse lugar tem mo todas as características
de uma toca: é subterrâneo, hostil, suficientemente tétrico para desencorajar a
entrada de qualquer pessoa.
Passamos por uma série de corredores, como se estivéssemos no meio de um
nada desprovido de som. No entanto, é estranho... alguma coisa me diz que não
estamos totalmente sozinhos.
— Como vão as coisas com seu irmão? — pergunta ele de repente.
— Como sempre.
— Não ficou com raiva depois daquela noite no ginásio?
— Acho que ainda não entendeu muito bem o que aconteceu. Nem eu.
Morgan para e chega perto de mim. Segura meu rosto entre as as mãos e me
olha dentro dos olhos.
Penso que ele vai me beijar, mas não. Ficamos assim por alguns segundos,
depois ele me solta e retoma a caminhada.
Por que me sinto tão agitada quando ele está perto de mim? É esse sentimento
que chamamos de amor?
Chegamos a outra porta. É muito pesada, de ferro pintado de preto, sem vidros,
sem maçaneta e com um estranho furo no lugar da fechadura.
— Chegamos — diz Morgan, sério.
— Uma segunda prova?
— Isso mesmo, a mais difícil. Está pronta?
— Não sei para quê, mas espero estar. Você está me aterrorizando cada vez
mais.
Morgan remexe num dos bolsos. Imagino que esteja procurando a chave. Mas o
que ele tira de lá não é uma chave.
É a caneta de aço. A minha caneta!
— Mas... — estremeço.
— Isso mesmo. É igual à sua.
— E você comprou...
— Do dono da papelaria.
— Sabia que...
— Sabia, infelizmente. Foi uma grande perda.
- Uma perda... para quem?
— Para mim. E para todos nós.
— Nós? Continua a falar de ‚nós'...
— Já vai entender.
Morgan enfia a caneta no buraco que substitui a fechadura. O fino corpo de aço
dá uma volta de noventa graus à direita. Ouve-se o sonoro clique. E a porta se abre.
— Não perca nunca a sua — recomenda ele antes de empurrar a pesada porta
com a mão. — Porque não vai ganhar outra.
— A minha também funciona?
— Digamos que essa é uma de suas funções.
Sem dizer mais nada, ele me convida a entrar.
— Mas está tudo escuro! — reajo, olhando para o lado de lá.
Morgan me empurra literalmente para dentro e fecha a porta às nossas costas. A
fechadura estala de novo. Uma luz se acende sobre no cabeças. Estamos numa espécie
de antessala quadrada e completamente vazia. Não preciso esperar muito antes que
uma segunda porta, menos imponente que a primeira, se abra diante de nós com um
leve sopro.