A Cidade Velha foi invadida por bandos de jovens barulhentos que vagam pelas ruas
agitando garrafas de cerveja, discotecas que vomitam música ensurdecedora e fumaça
rançosa, e policiais que revistam os menos recomendáveis ou os menos
recomendados, à sua escolha.
O BabyBlue se localiza nesse pedaço juvenil de qualquer sexta-feira à noite.
É relativamente novo, por isso nunca estive lá antes. Quem escolheu foi Seline.
Queria retornar para apagar a lembrança da noite em que se sentiu mal. Não sei se
entendo perfeitamente o seu raciocínio, mas o aniversário é dela e para mim tanto
faz um local quanto outro qualquer.
O lado de fora é dominado pelo letreiro de neon, rigorosamente azul.
Representa uma pin-up, com o inseparável vestidinho curto e esvoaçante, na pose
clássica: traseiro empinado, busto para a frente.
Sob o letreiro, diante da porta de entrada, estende-se uma longa fila de gente
esperando para entrar. Quem controla o tráfego é um sujeito do tamanho de dois
homens, todo de preto, bronzeado como um pedaço de madeira torrado pelo sol e
com a cabeça raspada e brilhante como um bola de boliche. Um detalhe elegante,
considerando a escuridão reinante, são os óculos escuros, de armação flexível.
— Nosso nome está na lista, não precisamos entrar na fila — afirma Seline,
com o casaquinho branco que ganhou de aniversário dos pais. Parece uma atriz dos
anos sessenta, mas pelo menos começou a usar roupas do tamanho certo, sinal de que
sua doença está ficando para trás.
— Vamos — eu, com meu velho casaco preto. Naomi usa uma jaquetinha curta
lilás, que fica muito bem nela. Fico feliz em ver que também está melhor. Saber que
minhas amigas estão felizes me faz ter esperança no futuro, inclusive no meu.
Partimos. O gorila da porta consegue encontrar nossos nomes na lista, apesar da
barreira dos óculos escuros, e nos deixa entrar.
Como muitas outras discotecas, BabyBlue fica num subsolo. Não tenho uma
atração especial pelas coisas subterrâneas. Toda vez que me vejo embaixo da terra,
sem fazer inevitáveis referências à situação de quem já partiu deste para o outro
mundo, não consigo evitar me sentir sufocada.
Assim, desço de má vontade as escadas que levam da entrada para a sala central,
tentando não pensar na massa de terra que está sobre a minha cabeça.
— Uau! Tem um monte de gente! — exclama Seline, a única que adora esse
tipo de coisa.
— É mesmo — digo olhando ao redor, o que só faz aumentar a claustrofobia.
Naomi também não parece muito satisfeita.
A discoteca em si é bonita, com a primeira sala de paredes azuis, luzes baixas,
sofazinhos de veludo azul-marinho encostados nas paredes e estátuas de plástico, em
tamanho real, reproduzindo grandes estrelas do mundo do espetáculo. Mais adiante
há um barzinho, cujo balcão é assaltado por uma multidão de gente com os braços
esticados e a ficha de consumação apertada entre os dedos, como um salvo-conduto.
A música lounge flutua no ar como um simples pano de fundo: não está ali para ser
realmente ouvida e permite uma conversação normal. Paralelamente, o acúmulo de
vozes consegue criar um som ambiente que lembra o zumbido de uma colméia
gigante.
Deixamos os casacos no guarda-roupa e entregamos os recibos para Naomi, que,
em geral, não perde nada. Não me esqueço de ficar com a echarpe.
— E isso? — pergunta Seline, apontando para o meu pescoço.
— Estou com um pouco de dor de garganta, prefiro ficar com ela.
Seline acredita, mas Naomi olha para mim desconfiada. Entre o suéter de gola
alta na escola e a echarpe naquela fornalha em que estamos, acho que está começando
a suspeitar de alguma coisa.
Vamos para a segunda sala, bem maior. É estranho, mas assim que cruzamos a
fronteira entre uma e outra, a música muda completamente, como se os dois
ambientes fossem separados por uma parede invisível que não deixa passar o som.
Aqui, o lounge dá lugar a um tipo de música retrô muito antiga. Tão antiga
que acho que nem era nascida quando elas surgiram.
Felizmente, tem menos gente, a maioria sentada em poltronas azul-elétrico
colocadas ao redor das mesinhas de centro prateadas que cercam a pista de dança. As
paredes também são prateadas e fazem a sala parecer um enorme bloco de gelo.
Não tem ninguém dançando na pista. A mesa do DJ, bem na frente da nossa,
domina a sala em cima de um palquinho com colunas.
— Vamos pegar bebidas? — pergunta Naomi. — Acho que aqui vamos
conseguir em menos de uma hora — brinca, apontando para o bar ao fundo. Ë bem
maior que o da outra sala, ocupando a parede inteira. Seu balcão transparente,
iluminado por linhas de neon azul, parece um aquário e espalha uma luz submarina
em todo o ambiente Atrás de uma selva de garrafas de todo tipo, o barman faz
malabarismos com garrafas, cubos de gelo e copos, servindo, misturando e decorando
numa velocidade espantosa.
— Vamos pedir a ele — sugiro.
Chegamos junto ao barman malabarista.
— O que posso fazer por vocês? — pergunta com um sorriso que exibe seus 32
dentes brancos e brilhantes como um anúncio de pasta de dentes.
Parece que Seline está gostando, e não apenas dos dentes.
— Quero... Naomi, como é mesmo o nome daquele coquetel que eu adoro?
— Velvet Sunset.
— Não, o outro.
— Wild Piranha.
— Isso! Um Wild Piranha.
Ele não esconde uma olhadinha maliciosa e ela corresponde com um sorrisinho
encantado. Não vai aprender nunca.
— E para vocês?
— Para mim um BabyBlue — diz Naomi.
— E o que é? — pergunto.
— Tem um licor azul, suco de abacaxi e...
— Uma gotinha de vodca — apressa-se a dizer o rapaz.
Dou uma olhada na lista de coquetéis que ocupa toda a parede atrás do balcão.
Tem um quilômetro de comprimento.
— Pode escolher — digo finalmente ao barman —, pode fazer o seu preferido.
Depois de alguns minutos, nossos copos estão prontos, enfileirados à nossa
frente.
Amarelo-laranja o de Seline, azul o de Naomi e vermelho-fogo o meu.
— Como se chama?
— Hot Devil, e na minha opinião é fogo puro.
— Está me dizendo que vou beber um drinque que se chama Diabo Quente?
Ele concorda, divertido.
Pego o copo e analiso o conteúdo.. Não sei se é por causa da luz, mas parece
lava.
Quando dou o primeiro gole, vejo que na verdade é lava. O álcool desce pela
garganta com a potência de uma língua de fogo dentro do gelo e atravessa meu
peito, que queima numa ardência intensa e repentina. Finalmente, aterrissa no fundo
do estômago, quase vazio, com um baque que parece uma bala de canhão.
— O que achou? — pergunta ele.
— Se conseguir apagar o incêndio, talvez consiga sentir o sabor. O que tem
aqui dentro?
— Rum, tequila, suco de laranja vermelha e... o ingrediente secreto.
— Que seria...? — pergunto com a garganta em chamas.
— Uma pitadinha de pimenta. Aumenta a sensação de calor do álcool.
Aplausos e gritos de satisfação. A gente só olha.
— Sem a menor dúvida!
Entregamos nossas cartelas, que ele marca com uma furadeira e devolve.
Nesse intervalo, a segunda sala também encheu e alguém está falando no
microfone.
— Olá, todo mundo! Como estão hoje? Tudo bem? Muito bem? Não estou
ouvindo vocês! BEM-VINDOS AO BA-BY-BLUE!
Aplausos e gritos de satisfação. A gente só olha.
— Chegou o momento tão esperado! Nosso convidado já está entre nós. Só por
essa noite... DJ Daimon!
A plateia aplaude delirante, a voz no microfone se cala, as luzes fazem piruetas
pela sala inteira, produzindo listras azuis, rosa, verdes, e começa a música, o som de
verdade. Começa com um estrondo que ecoa nas minhas entranhas, para desaguar no
ritmo veloz e psicodélico típico da house. As luzes se adaptam, com rajadas de
flashes ofuscantes.
— Não me disse que a música era house — berro no ouvido de Naomi.
— Também não sabia. Da outra vez era música eletrônica, bem mais soft.
Mas Seline parece estar se divertindo. Antes que eu consiga dizer mais alguma
coisa, ela arrasta Naomi para a pista.
Recuso o convite de Seline e entro sozinha no meio da multidão, com meu copo
de sangue de diabo na mão. Dou uma pesquisada rápida nos sofás, mas não há
nenhum lugar livre.
Saio. Um pouco de ar não vai me fazer mal. Pegar o casaco é impossível, de
modo que saio do jeito que estou. De qualquer forma, meu drinque seria capaz de
derreter até o Pólo Norte.
Subo a escada desviando de quem sentou nos degraus para conversar, fumar ou
namorar.
Uma vez lá fora, uma camada de frio úmido gruda em mim. Levanto a cabeça e
fico paralisada quando dou de cara com uma coisa espantosa.