chega! Eu não pedi por isso. Treinar foi ideia sua. Você tem tomado todas as

decisões, mas agora é minha vez. EU DESISTO! — eu sabia que estava desidratada e

provavelmente não estava pensando racionalmente, mas eu tinha tido o suficiente.

Sim, eu queria aumentar a minha resistência e força e aprender a me defender. Mas

isso era ridículo. Arrancar uma árvore? Eu tinha dado o meu melhor, e ele só se

sentou e riu, sabendo muito bem que eu nunca seria capaz de fazer isso.

— Você parece realmente chateada — ele disse, franzindo a testa e acariciando seu

queixo de forma perplexa.

— Você acha?

— Considere isso uma lição objetiva. Um tipo de avaliação.

— É? Avalie isso. — E eu lhe mostrei um dedo do meio duro.

— Você está exagerando. Consegue ver isso, certo?

Claro, daqui duas horas talvez eu percebesse isso. Depois que eu tomasse um

banho, me reidratasse, e desabasse na minha cama. O que, por mais que eu

quisesse, não iria acontecer, porque eu tinha escola.

Dante disse:

— Você é a comandante desse exército. Você também é uma Nephilim presa em

um corpo humano. Você tem que treinar mais que o resto de nós, porque está

começando com uma séria desvantagem. Eu não te faria nenhum favor ao tornar

isso mais fácil.

Com suor escorrendo pelos meus olhos, eu o olhei feio.

— Já te ocorreu que talvez eu não queira essa posição? Talvez eu não queira ser

comandante?

Ele deu de ombros.

— Não importa. Está feito. Não adianta fantasiar com outros cenários.

Meu tom soou desapontado.

— Por que você não organiza um golpe e rouba a minha posição? — Eu murmurei,

meio que brincando, meio que falando sério. Pelo que eu sabia, Dante não tinha

nenhuma razão para me manter no poder e viva. — Você seria um milhão de vezes

melhor nisso. Você realmente se importa.

Ele acariciou o queixo novamente.

— Bem, agora que você colocou a ideia na minha cabeça...

— Não é engraçado, Dante.

Seu sorriso desapareceu.

— Não, não é. Se vale alguma coisa, eu jurei para Hank que eu ajudaria você a ter

sucesso. Meu pescoço está correndo tanto risco quanto o seu. Eu não estou aqui

todas as manhãs para ganhar alguns pontos extras de carma. Eu estou aqui porque

eu preciso que você ganhe. Minha vida depende de você.

As palavras dele fizeram efeito em mim.

— Você está dizendo que se eu não for para a guerra, e ganhar, você irá morrer? É

esse o juramento que você fez?

Ele exalou, longo e lentamente, antes de responder.

— Sim.

Fechei meus olhos, massageando minhas têmporas.

— Eu realmente queria que você não tivesse me contado.

— Estressada?

Recostando-me contra a pedra, eu deixei a brisa soprar contra a minha pele.

Respirações profundas. Não só eu poderia, potencialmente, matar minha mãe e a

mim mesma se eu fracassasse ao liderar o exército de Hank, mas agora eu mataria

Dante também, se eu não liderasse o exército à vitória. Mas e a paz? E a minha

negociação com os arcanjos?

Maldito Hank. Isso era culpa dele. Se ele tivesse ido para qualquer outro lugar que

não diretamente pro inferno depois da sua morte, não havia justiça no mundo, ou

fora dele.

— Lisa Martin e os Nephilim do alto escalão querem te encontrar de novo — disse

Dante. — Fiquei enrolando, porque sei que você não está convencida de que deve

haver uma guerra, e agora estou preocupado de que vão reagir. Precisamos deles

para te manter no poder. Para fazer isso, precisamos que eles achem que os seus

desejos estão alinhados com os deles.

— Ainda não quero me encontrar com eles — disse automaticamente. — Continue

enrolando. — Eu precisava de tempo para pensar. Tempo para decidir em um curso

de ação. Quem apresentava maior ameaça: arcanjos descontentes ou Nephilim

rebeldes?

— Você quer que eu diga a eles que, por ora, você quer que tudo passe por mim?

— Sim — disse, grata. — Faça o que for preciso para me dar um pouco mais de

tempo.

— À propósito, ouvi falar sobre o seu falso término ontem à noite. Você deve ter

dado um show e tanto. Os Nephilim acreditaram.

— Mas você não.

— Patch me avisou. — Ele piscou. — Eu não teria acreditado mesmo. Eu já vi vocês

dois juntos. O que vocês têm não morre de uma hora para outra. Aqui — disse

Dante, dando-me uma garrafa gelada de Gatorade azul. — Beba. Você perdeu

muito fluido.

Girando a tampa, eu balancei a cabeça, agradecendo, e bebi bastante. O líquido

verteu pela minha garganta, instantaneamente ficando espesso e entupindo o meu

esôfago. Um calor arranhou a minha garganta, transpassou por ela, e pululou pelo

resto do meu corpo. Eu me inclinei para frente, tossindo e ofegando.

— Que negócio é esse? — eu engasguei.

— Hidratação pós-treino — disse ele, mas ele não me olhava nos olhos.

Eu continuei a me afogar, meus pulmões lutando e sofrendo espasmos.

— Eu achei... eu achei que fosse Gatorade... é isso que... a garrafa diz!

Qualquer tipo de emoção sumiu de seu rosto.

— É para o seu próprio bem — disse ele vagarosamente. E então ele fugiu em um

borrão de velocidade.

Eu ainda estava dobrada ao meio, sentindo como se o meu interior estivesse

lentamente liquefazendo.

Partículas elétricas azuis pipocavam sobre os meus olhos. O mundo balançou para

a esquerda... e então para a direita.

Apertando a minha garganta, eu andei, com dificuldade, para frente, temendo que,

se eu desmaiasse aqui, eu nunca seria encontrada.

CAPÍTULO

8

COM UM PASSO CAMBALEANTE ATRÁS DO OUTRO, eu consegui sair da floresta.

Quando cheguei na casa da fazenda, a maior parte da sensação de fogo–nos-

meus-ossos tinha se dissipado. Minha respiração tinha voltado ao normal, mas o

meu medo ainda estava ocupando um papel principal. O que Dante tinha me

dado? E por quê?

Eu tinha uma chave no colar em volta do meu pescoço, e eu entrei por conta

própria. Tirando meus sapatos, eu rastejei até o andar de cima e passei

silenciosamente pelo quarto da minha mãe. O relógio no meu criado-mudo

marcava dez para as sete. Antes de Dante entrar na minha vida, esta seria uma hora

normal, talvez um pouco cedo, de acordar. Na maioria dos dias eu acordava me

sentindo revigorada, mas esta manhã eu me sentia exausta e preocupada.

Agarrando roupas limpas, eu me dirigi até o banheiro para tomar banho e me

preparar para a escola.

Dez minutos antes das oito eu levei o Volkswagen para o estacionamento dos

estudantes e marchei até a escola, um edifício cinza imponente similar a uma Igreja

Protestante antiga. Do lado de dentro, eu enfiei meus pertences no meu armário,

peguei meus livros do primeiro e segundo períodos, e fui para aula. Meu estômago

se apertou de fome, mas eu estava agitada demais para comer. A bebida azul ainda

nadava desconfortavelmente no meu estômago.

A primeira do dia era História Americana Avançada. Eu tomei meu lugar e procurei

em meu novo celular mensagens. Ainda nada do Patch. Sem problema, eu disse a

mim mesma. Algo provavelmente aconteceu. Mas eu não conseguia ignorar a

sensação de que algo não estava certo. Patch tinha me dito que passaria na minha

casa na noite passada, e não era costumeiro que ele quebrasse uma promessa.

Especialmente já que sabia que eu tinha ficado bastante chateada por causa do

rompimento.

Eu estava prestes a guardar o meu celular quando ele vibrou com uma mensagem.

ENCONTRE-ME PERTO DO RIO WENTWORTH EM 30 MINUTOS, lia-se na mensagem

de Patch.

VOCÊ ESTÁ BEM? eu imediatamente escrevi de volta. SIM. ESTAREI NAS DOCAS.

CERTIFIQUE-SE DE QUE NÃO TE SIGAM.

Não era o melhor dos momentos, mas eu não iria simplesmente não encontrar com

Patch. Ele disse que estava bem, mas eu não estava convencida. Se ele estivesse

bem, por que estava me pedindo para sair da escola, e por que íamos nos

encontrar lá nas docas?

Eu me aproximei da mesa da Sra. Warnock.

— Com licença, Sra. Warnock? Não estou me sentindo bem. Posso ir me deitar na

enfermaria?

A Sra. Warnock retirou os óculos e me examinou.

— Está tudo certo , Nora?

— É aquela época do mês — sussurrei. Será que eu conseguia ser menos criativa?

Ela suspirou.

— Se eu ganhasse um centavo cada vez que uma aluna dissesse isso...

— Eu não pediria se a minha cólica não estivesse absolutamente me matando. —

Eu até considerei esfregar meu estômago, mas decidi que poderia ser demais.

Por fim, ela disse:

— Peça a enfermeira paracetamol. Mas assim que estiver se sentindo melhor, quero

você de volta à sala. Estamos começando a unidade sobre o Republicanismo

Jeffersoniano hoje. Se não tiver alguém de confiança de quem pegar anotações

emprestado, vai passar as próximas duas semanas tentando alcançar a matéria.

Balancei a cabeça vigorosamente.

— Obrigada. Eu realmente agradeço.

Escapei porta afora, desci correndo por alguns lances de escadas, e, depois de olhar

para os dois lados do corredor para me certificar de que o vice-diretor não estava

fazendo suas rondas, fugi por uma porta lateral.

Me joguei dentro do Volkswagen e parti. É claro, essa era a parte fácil. Voltar para a

aula sem um papel de permissão assinado pela enfermeira ia exigir no mínimo

magia. Sem problema, pensei. Na pior das hipóteses, eu seria pega cabulando aula

e passaria a próxima semana tendo detenção no começo das manhãs.

Se eu precisava de uma desculpa para ficar longe do Dante, quem eu já não mais

confiava, essa era uma tão boa quanto qualquer outra.

O sol estava a toda, o céu era de um azul nebuloso outonal, mas o ar puro cortava

o meu colete acolchoado como o mau presságio implacável do inverno que

chegava. O estacionamento das docas no alto do rio estava vazio. Ninguém

pescando por lazer hoje. Depois de estacionar, eu me agachei na vegetação na

beirada do estacionamento por alguns minutos, esperando para ver se alguém

tinha me seguido. Então peguei o caminho pavimentado que levava às docas.

Percebi rapidamente porque Patch tinha escolhido o local: fora alguns pássaros

gorjeando, estávamos completamente sozinhos.

Três rampas para barcos se espalhavam pelo amplo rio, mas não havia barcos.

Caminhei até a beirada da primeira rampa, protegi meus olhos da claridade do sol,

e olhei ao redor. Nada do Patch.

Meu celular chamou.

ESTOU NO BOSQUE CERRADO DE ÁRVORES NO FINAL DO PASSADIÇO, Patch tinha

digitado.

Segui pelo passadiço, passando pelas docas e chegando a mata cerrada, e foi aí

que Pepper Friberg surgiu por trás de uma árvore. Ele estava com o celular do

Patch em uma mão e uma arma na outra. Meus olhos se fixaram na arma, e eu dei

um passo involuntário para trás.

— Não vai te matar, mas um tiro pode ser excruciante de tão doloroso — disse ele.

A calça de poliéster dele tinha um cós alto, até a cintura, e a camisa dele pendia de

um ângulo mal ajustado; ele não havia alinhado os botões apropriadamente. No

entanto, apesar da sua aparência idiotizada e espalhafatosa, senti seu poder

ondular até mim como os raios mais quentes de sol. Ele era muito mais perigoso

do que aparentava.

— Devo acreditar nisso porque você sabe? — eu retruquei.

Seus olhos correram de um lado ao outro do caminho. Ele enxugou a testa com um

lenço branco, mais uma prova de sua ansiedade. Suas unhas haviam sido roídas até

ficarem um toco.

— Se você sabe o que eu sou, e aposto que Patch te disse, então sabe que não

posso sentir dor.

— Eu sei que você é um arcanjo, e sei que não está fazendo um jogo limpo. Patch

me disse que você está vivendo uma vida dupla, Pepper. Um poderoso arcanjo se

passando de humano? Com os seus poderes, você poderia realmente influenciar o

sistema. Está atrás de dinheiro? Poder? Diversão?

— Eu já te disse do que estou atrás: Patch — disse ele, um brilho novo de suor

ultrapassando sua testa. Ele não parecia conseguir enxugar rápido o bastante. —

Por que ele não me encontra?

Hm, porque você quer acorrentá-lo ao inferno. Eu inclinei meu queixo para o

celular na mão de Pepper.

— Belo truque, me atraindo até aqui com o celular dele. Como conseguiu?

— Eu peguei dele ontem à noite no Devil’s Handbag. Encontrei ele se escondendo

em uma van marrom estacionada na rua da frente da entrada. Fugiu antes que eu

pusesse as mãos nele, mas na pressa, ele esqueceu de pegar seus pertences,

inclusive o celular com todos os contatos. Estive discando e mandando mensagens

para vários números a manhã toda, tentando te encontrar.

Secretamente, eu suspirei, aliviada. Patch tinha escapado.

— Se me trouxe até aqui para me interrogar, está sem sorte. Não sei onde o Patch

está. Não falo com ele desde ontem. De fato, parece que você foi o último a vê-lo.

— Interrogar? — As pontas de suas orelhas de Dumbo brilharam rosa — Céu, isso

parece nefasto. O que, eu pareço um criminoso comum?

— Se não quer me questionar, por me atrair até aqui? — Até agora nós tínhamos

mantido uma conversa leve, mas eu estava ficando cada vez mais nervosa. Eu não

confiava nas graças mal feitas e ineptas do Pepper. Tinha que ser um truque.

— Vê aquele barco ali?

Eu segui o olhar de Pepper até a margem do rio. Um barco a motor branco

resplandecente sacudia-se na superfície da água. Elegante, caro, e provavelmente

muito rápido.

— Barco legal. Vai viajar? — perguntei, tentando não soar preocupada.

— Sim. E você vem comigo.

CAPÍTULO

9

T

E DEI CHANCE DE FAZER DA MANEIRA MAIS FÁCIL, mas a minha paciência está acabando —

disse Pepper. Ele colocou a arma na cintura da calça, liberando as suas mãos para secar

sua testa brilhante — Se não consigo chegar até Patch, o farei vir até mim.

Eu comecei a ver onde isto ia dar.

— Isto é um sequestro? Você definitivamente não é um criminoso comum, Pepper.

Delinquente, sociopata e um malvado nefasto são termos mais próximos da sua

classificação.

Ele afrouxou o colarinho e fez uma careta.

— Preciso que Patch faça algo por mim. Um pequeno... favor. Isto é tudo. Inofensivo, de

verdade.

Tive a sensação de que o “favor” incluía seguir o Pepper até o inferno, um pouco antes que

ele pulasse para longe e fechasse os portões para Patch. Era uma maneira de cuidar de um

chantagista.

— Sou um dos bonzinhos — disse Pepper. — Um arcanjo. Ele pode confiar em mim. Você

deveria ter dito para ele confiar em mim.

— A maneira mais rápida de quebrar a confiança dele seria me sequestrando. Pense nisto,

Pepper. Me levar não fará que Patch coopere contigo.

Ele puxou seu colarinho com mais força. Seu rosto estava tão vermelho que chegava ao

ponto de parecer um porco suado rosa.

— Aqui tem muito mais coisas em jogo do que se pode ver. Está me deixando sem opções,

será que não se dá conta disto?

— É um arcanjo, Pepper. No entanto está aqui, passeando pela Terra, carregando uma

arma e me ameaçando. Não acredito que é inofensivo, assim como não acredito que não

tenha nenhuma má intenção contra Patch. Os arcanjos não vagam pela Terra por longos

períodos de tempo, e não fazem reféns. Sabe o que eu penso? Você está ficando mau.

— Estou aqui em uma missão. Não sou mau, porém tenho que tomar algumas...

liberdades.

— Caramba, estou quase tentada a acreditar em você.

— Tenho um trabalho para o seu namorado que só ele pode fazer. Não quero te

sequestrar, porém você está me forçando a fazer isto. Preciso da ajuda de Patch e preciso

agora. Ande até o bote, devagar e com cuidado. Se fizer qualquer movimento brusco, vou

atirar.

Pepper fez um gesto de invocação e o bote deslizou obedientemente pela água, se

movendo até a rampa de embarcação mais próxima. Patch não havia me contado que

arcanjos podiam dar ordens a objetos. Não gostei da surpresa e me perguntei o quanto

isto iria atrapalhar a minha tentativa de fuga.

— Não ficou sabendo? Ele não é mais o meu namorado — eu disse a Pepper — Estou

saindo com Dante Matterazzi. Tenho certeza que já ouviu falar dele. Todo mundo o

conhece. Patch está 100% no meu passado.

— Suponho que vamos descobrir, não é mesmo? Se tiver que voltar a pedir para andar,

vou atirar nos seus pés.

Levantei meus braços no nível dos meus ombros e caminhei até a rampa para botes. Um

pouco tarde demais, desejei ter usado a minha jaqueta jeans com o dispositivo de

rastreamento. Se Patch pudesse saber onde eu estava, viria me buscar. Talvez ele tivesse

colocado um dispositivo no meu colete acolchoado também, mas não podia contar com

isto. E já que não sabia onde Patch estava, também não poderia contar com ele.

— Suba no bote — me ordenou Pepper — Pegue a corda no banco e prenda as suas mãos

nas grades.

— Você está levando isso mesmo a sério — disse, tentando distraí—lo. Olhei para as

árvores que cercavam o rio. Se eu pudesse chegar até elas, poderia me esconder. As balas

de Pepper teriam mais êxito atingindo as árvores do que a mim.

— A cinquenta quilômetros daqui tenho um bonito e espaçoso depósito com seu nome

nele. Uma vez que chegarmos lá, farei uma ligação para o seu namorado. — Ele fechou o

punho, estendendo o polegar e o dedo mínimo e levou o seu telefone de mão até o ouvido

— Assim veremos se não podemos chegar a um acordo. Se ele fizer um juramento de se

encarregar de um assunto pessoal para mim, você talvez possa voltar a vê-lo, e também a

sua família e seus amigos.

— Como vamos chamá-lo? Você tem o telefone dele.

Pepper franziu o rosto. Não havia pensado nisto. Talvez eu pudesse usar a sua confusão ao

meu favor.

— Então teremos que esperar que ele nos ligue. Para o seu próprio bem, espero que ele

não perca tempo.

De má vontade, subi no bote. Peguei a corda e comecei a enrolá-la em um nó. Não podia

acreditar que Pepper fosse tão estúpido. Realmente acreditava que uma simples corda

comum poderia me segurar?

Pepper respondeu a minha pergunta.

— No caso de estar pensando em escapar, deveria saber que esta corda está enfeitiçada.

Parece inofensiva, mas é mais forte que cantoneira. Ah, e uma vez que suas mãos estejam

presas, vou enfeitiçar de novo. Se ao menos tentar puxar a corda para fugir, uma descarga

de duzentos volts de eletricidade atingirá o seu corpo.

Tratei de manter a compostura.

— Um truque especial dos arcanjos?

— Só digamos que sou mais forte do que pensa.

Pepper passou uma perna curta sobre o bote, equilibrando o pé sobre o assento do

condutor. Antes que pudesse passar a outra perna, golpeei o meu corpo contra a lateral

do bote, balançando o duramente para longe da rampa. Pepper ficou com um pé dentro e

outro fora, enquanto o espaço de ar entre suas pernas se tornava cada vez maior.

Ele reagiu na hora. Se lançou para o ar, flutuando vários centímetros sobre o bote.

Voando. Durante a fração de segundo em que tomei a decisão de desequilibrá-lo, me

esqueci que ele tinha asas. E não só isto, mas agora ele estava furioso.

Me lancei na água, nadando arduamente até o meio do rio, ouvindo os tiros que eram

disparados na água, de cima de mim.

Um som de mergulho e soube que Pepper havia se jogado atrás de mim. Em questões de

segundos ele me alcançaria e cumpriria a promessa de atirar no meu pé... e

provavelmente algo muito pior. Eu não era tão forte quanto um arcanjo, mas agora eu era

uma Nephilim, e havia treinado com Dante... duas vezes. Decidi fazer algo incrivelmente

estúpido ou incrivelmente corajoso.

Plantando os pés firmemente no leito arenoso do rio, me empurrei para cima com todas

as minhas forças, saltando diretamente para fora da água. Para a minha surpresa, errei o

alvo, me elevando sobre as copas das árvores que se amontoavam nas margens. Pude ver

quilômetros e quilômetros de distância, além das fábricas e dos campos, até a estrada

onde se podiam ver pequenos carros e tratores de reboque. Mais além disto, eu vi a

própria Coldwater, um agrupamento de casas, lojas e parques de gramados verdes.

Com a mesma rapidez, perdi velocidade. Meu estômago se contraiu e ar passou pelo meu

corpo quando inverti minha direção. O rio se precipitou até mim. Tive o impulso de girar

freneticamente os meus braços, mas foi como se o meu corpo não tolerasse isto, se

recusasse a ser qualquer coisa que não elegante e eficaz, me dobrando em um míssil

apertado. Meus pés bateram na rampa para os botes, atravessando as toras de madeira,

me submergindo novamente na água.

Mais balas passaram zunindo pelos meus ouvidos. Saí tateando pelos escombros, me

impulsionei até a borda do rio e corri em disparada até as árvores. Duas manhãs correndo

na escuridão me deram um pouco de preparação, mas não explicavam porque eu estava

correndo em uma velocidade que rivalizava com a de Dante. As árvores passavam como

vertiginosos borrões, mas os meus pés saltavam com facilidade, quase como se pudessem

antecipar os passos necessários meio segundo antes que a minha mente.

Corri a toda velocidade pelo caminho, me lancei dentro do Volkswagen e saí do

estacionamento. Para a minha surpresa, nem sequer estava sem fôlego.

Era a adrenalina? Talvez. Mas eu não acreditava nisto.

Dirigi até a Fármacia e Drogaria Allen e deslizei o Volkswagen em uma vaga de

estacionamento situada entre dois caminhões que me ocultavam da rua. Logo me recostei

no assento, tentando ficar invisível. Estava bastante segura de que havia despistado

Pepper no rio, mas não se perdia nada sendo cautelosa. Precisava de tempo para pensar.

Não podia ir para casa. O que eu realmente precisava era encontrar Patch, mas não sabia

por onde começar.

Meu celular tocou, me tirando dos meus devaneios.

— E aí, Grey — disse Scott. — Vee e eu estamos à caminho da Taco Hut para almoçar, mas

a grande pergunta de hoje é: onde você está? Agora que você: (a) pode dirigir e (b) tem

rodas (cofcof, graças à mim) não precisa comer mais no refeitório da escola. Se liga.

Ignorei o seu tom de chacota.

— Preciso do número de Dante. Me mande por mensagem e mande rápido — disse ao

Scott. Eu tinha o número de Dante no meu antigo telefone, mas não neste.

— Hum, por favor?

— O que é isto? Terça-feira do dois pesos, duas medidas?

— Para que precisa do número dele? Pensei que Dante fosse seu namo...

Desliguei o telefone e tratei de pensar nas coisas. O que eu sabia com certeza? Que um

arcanjo com uma vida dupla queria me sequestrar e me usar como um incentivo para

obrigar Patch a lhe fazer um favor. Ou para deixar de chantageá-lo. Ou ambas as coisas.

Também sabia que Patch não era o chantagista.

Que informação me faltava? Sobretudo a do paradeiro de Patch. Estava a salvo? Me

contataria? Precisava da minha ajuda?

Onde está você, Patch? Eu gritei para o universo.

Meu celular tocou.

AQUI ESTÁ O NÚMERO DE DANTE. ALÉM DISTO, OUVI POR AÍ QUE CHOCOLATE FAZ BEM

PARA A TPM, Scott mandou por mensagem.

— Engraçadinho — disse em voz alta, digitando o número de Dante. Ele atendeu no

terceiro toque.

— Temos que nos encontrar — disse, com os nervos à flor da pele.

— Escuta, se é sobre hoje de manhã...

— É claro que é sobre hoje de manhã! O que você me deu? Bebi um líquido desconhecido

e de repente posso correr tão rápido quanto você e saltar quinze metros no ar e tenho

certeza de que a minha visão é melhor do que 20/20.

— Vai sumir. Para manter esta velocidade, você precisa beber a parada azul todos os dias.

— A parada azul tem nome?

— Não por telefone.

— Está bem. Nós nos encontraremos pessoalmente.

— Me encontre na Rollerland em meia hora.

Pisquei.

— Quer que eu te encontre em um ringue de patinação?

— É meio-dia de um dia da semana. Não há ninguém lá além de mães e crianças

pequenas. É mais fácil para detectar os espiões em potencial.

Não estava segura de quem Dante pensava que estaria nos espionando, mas tinha uma

incômoda sensação borbulhando em meu estômago de que, fosse o que fosse a parada

azul, Dante não era o único que a queria. Meu melhor palpite era de que se tratava de

uma droga de algum tipo. Eu havia testado em primeira mão suas propriedades de

aprimoramento. Os poderes que ela me forneceu eram surreais. Era como se eu não

tivesse limites e a extensão da minha própria destreza física fosse... ilimitada. A sensação

era estimulante e antinatural. Este último era o que me deixava preocupada.

Quando Hank estava vivo, ele havia experimentado com artes do mal, convocando os

poderes do inferno ao seu favor. Os objetos que ele havia enfeitiçado sempre emitiam um

tom azul fantasmagórico. Até agora, eu havia acreditado que os conhecimentos sobre as

artes do mal haviam morrido com Hank, mas começava a ter as minhas dúvidas. Queria ter

a esperança de que a misteriosa bebida azul de Dante fosse uma coincidência, mas o meu

instinto dizia o contrário.

Sai do carro e caminhei as poucas quadras que me levavam até Rollerland, olhando por

sobre o ombro em busca de sinais de que estava sendo seguida. Nada de homem

estranhos com capas pretas e óculos de sol. Tão pouco nada de pessoas demasiadamente

altas, um claro indicativo de Nephilim.

Atravessei as portas de Rollerland, aluguei um par de patins tamanho 36 com rodas e me

sentei em um banco do lado de fora da pista. As luzes estavam baixas e uma bola de

discoteca dispersava sombras de uma brilhante e saturada luz pelo solo de madeira polida.

Pelos alto-falantes se escutava uma canção antiga da Britney Spears. Como Dante havia

previsto, só crianças pequenas e suas mães estavam patinando a esta hora.

Uma mudança no ar, alterando a tensão, me alertou da presença de Dante. Ele se sentou

no banco ao meu lado, vestido com um jeans escuro feito sob medida e camisa polo azul

marinho. Ele não havia retirado os seus óculos de sol, fazendo impossível olhar em seus

olhos. Me perguntei se ele havia se arrependido de ter me dado a bebida e se estava

experimentando algum nível de conflito moral. Eu esperava que sim.

— Vai patinar? — perguntou, fazendo um gesto com a cabeça para os meus pés.

Me dei conta de que ele estava sem patins.

— O cartaz dizia que precisamos vestir os patins para passar da entrada.

— Poderia ter enganado mentalmente o encarregado.

Meu humor piorou.

— Esta realmente não é a minha forma de agir.

Dante encolheu os ombros.

— Então está perdendo um monte das vantagens em ser Nephilim.

— Me conte sobre a bebida azul.

— É uma bebida de aprimoramento.

— Até aí eu entendi. Com o que ela foi aprimorada?

Dante inclinou a cabeça na direção da minha e falou num sussurro.

— Artes do mal. Não é tão ruim quanto parece.

Minhas costas se endureceram, e os pelos da minha nuca latejaram. Não, não, não. As

artes do mal deveriam ter sido erradicadas da Terra. Tinham desaparecido com Hank.

— Eu sei o que são. E achei que tinham sido destruídas.

As sobrancelhas escuras de Dante ficaram franzidas.

— Como sabe sobre as artes do mal?

— Hank as usava. Assim como o seu cúmplice, Chauncey Langeais. Mas quando Hank

morreu... — me contive. Dante não sabia que eu tinha matado Hank, e dizer que isto não

ajudaria na minha relação com os Nephilim, Dante incluído, se meu segredo viesse à tona,

seria o eufemismo do ano — Patch espionava para Hank.

Ele assentiu.

— Eu sei. Eles tinham um acordo. Patch nos informava sobre os anjos caídos.

Não sabia se Dante omitiu intencionalmente que Patch havia espiado para Hank com a

condição de preservar a minha vida, ou se Hank tinha mantido os detalhes em segredo.

— Hank disse ao Patch sobre as artes do mal — menti, cobrindo minhas pegadas. — Mas

Patch me disse que, quando Hank morreu, as artes do mal haviam ido com ele. Patch tinha

a impressão de que Hank era o único que sabia como manipular isso.

Dante negou com a cabeça.

— Hank colocou o seu mão direita, Blakely, para desenvolver os protótipos de artes do

mal. Ele sabe mais sobre artes do mal do que Hank jamais soube. Ele passou os últimos

meses em um laboratório, enfeitiçando adagas, chicotes e anéis ornamentados com artes

do mal, os transformando em armas mortais. Mais recentemente, ele formulou uma

bebida que eleva os poderes dos Nephilim. Estamos no mesmo nível, Nora — disse ele,

com um brilho de emoção nos olhos. — Antes precisávamos de dez Nephilim para cada

anjo caído. Já não é mais assim. Eu provei a bebida de Blakely, e quando tomo, o campo de

jogo sempre se inclina ao meu favor. Posso ir de encontro a um único anjo caído sem

nenhum temor de que ele seja mais forte.

Meus pensamentos giraram violentamente. Artes do mal estavam prosperando na Terra?

Os Nephilim tinham uma arma secreta, sendo fabricada em um laboratório secreto? Tinha

que contar isto para Patch.

— A bebida que me deu é a mesmo que você tem provado para Blakely?

— Sim. — Ele sorriu astutamente. — Agora entende o que estou te falando.

Se queria elogios, não iria recebê-los de mim.

— Quantos Nephilim sabem sobre a bebida ou a ingeriram?

Dante se recostou em seu banco e suspirou.

— Está perguntando isto para si mesma? — Ele fez uma pausa intencionada. — Ou para

compartilhar o segredo com Patch?

Hesitei, e o rosto de Dante desmoronou.

— Tem que escolher, Nora. Não pode ser leal a nós e a Patch. Está persistindo

admiravelmente nisto, mas no final, lealdade tem a ver com escolher um lado. Ou está

com os Nephilim, ou contra nós.

A pior parte desta conversa é que Dante tinha razão. No fundo, eu sabia. Patch e eu

havíamos entrado em acordo que o nosso ato final na guerra seria sair a salvo dela, porém,

se este fosse o meu único objetivo, onde isso deixaria os Nephilim? Era eu a suposta líder

deles, pedindo que acreditassem que eu iria ajudá-los, mas na verdade não iria.

— Se contar ao Patch sobre artes do mal, ele não guardará a informação para si — disse

Dante. — Ele irá atrás de Blakely e tratará de destruir o laboratório. Não por um elevado

sentido de dever moral, mas sim por instinto de sobrevivência. Isto não é mais sobre o

Cheshvan. — explicou. — Meu objetivo não é empurrar os anjos caídos para trás de uma

linha arbitrária, a fim de impedi-los de nos possuir. Meu objetivo é aniquilar a raça inteira

de anjos caídos com artes do mal. E se já não sabem disso, vão descobrir logo, logo.

O quê?! — cuspi.

— Hank tinha um plano. Era isso. A extinção da raça deles. Blakely acredita que, com um

pouco mais de tempo, ele poderá produzir um protótipo de arma suficientemente forte

para aniquilar um anjo caído, algo que nunca nem sequer considerávamos possível. Até

agora.

Saltei do banco e comecei a andar de um lado para o outro.

— Por que está me dizendo isto?

— Está na hora de escolher. Está conosco ou não?

— Patch não é o problema. Ele não está trabalhando com os anjos caídos. Ele não quer a

guerra. — O único objetivo de Patch era se assegurar de que eu continuasse na liderança,

cumprisse o meu juramento e permanecesse com vida. Mas se revelasse sobre as artes do

mal para ele, Dante tinha razão: Patch faria de tudo para destruí-las.

— Se contar sobre isso para ele, estamos acabados — disse Dante.

Ele estava me pedindo para trair ele, Scott e milhares de Nephilim inocentes... ou Patch.

Um grande peso revirou-se no meu estômago. A dor era tão forte que quase me dobrei.

— Tire a tarde para pensar nisto — disse Dante, colocando-se de pé. — A menos que me

diga o contrário, vou esperar que esteja pronta para treinar amanhã bem cedo. — Me

olhou fixamente por um momento com seus olhos castanhos fixos, porém mantendo um

sombra de dúvida. — Espero que estejamos no mesmo barco, Nora — ele disse isto em

voz baixa e se foi.

Fiquei no edifício por vários minutos, sentada na penumbra, rodeada por gritos bizarros e

alegres e risadas das crianças tentando dançar o Hokey Pokey sobre os patins. Baixei a

cabeça e escondi o meu rosto entre as minhas mãos. Não era como as coisas deveriam ser.

Eu tinha que suspender a guerra, declararia um cessar fogo e me fugir de tudo para ficar

com Patch.

Em vez disso, Dante e Blakely haviam planejado diante, continuando justo aonde Hank

havia parado e subiram a aposta para tudo ou nada. Estúpidos, estúpidos, estúpidos.

Em circunstâncias normais, não acreditaria que Dante, Blakely e, para falar a verdade,

todos os Nephilim teriam chance de aniquilar os anjos caídos, porém suspeitava que as

artes do mal mudavam tudo. O que significava isto para a minha metade do trato? Se os

Nephilim entrassem em guerra sem mim, será que os arcanjos me responsabilizariam?

Sim. Sim, eles o fariam.

Aonde quer que Blakely estivesse escondido, sem dúvidas protegido por seu próprio,

pequeno e vigilante destacamento de segurança Nephilim, estava claro que estava

experimentando com protótipos mais potentes e mais perigosos. Ele era a raíz do

problema.

O que fazia de encontrar ele e o seu laboratório a minha prioridade.

Logo após eu encontrar Patch. Meu estômago deu um salto mortal de preocupação, e

mandei outra oração silenciosa para ele.

CAPÍTULO

10

EU ESTAVA A UMA CURTA DISTÂNCIA DO VOLKSWAGEN QUANDO vi uma figura

sombreada tomar o banco do motorista. Parei, meus pensamentos mergulhando,

inicialmente, no cenário de Chapéu de Caubói, o Retorno. Segurei a respiração,

debatendo se era sábio ou não correr. Mas quanto mais eu debatia, mais minha

imaginação hiperativa declinava, e a figura tomou sua forma verdadeira. Patch

dobrou o dedo, me chamando para o lado de dentro. Eu sorri amplamente, minha

preocupação se dissolvendo instantaneamente.

— Matando aula para andar de patins? — ele perguntou, enquanto eu entrava no

carro.

— Você me conhece. Rodinhas roxas são o meu fraco.

Patch sorriu.

— Não vi o seu carro na escola. Estive te procurando. Tem uns minutos sobrando?

Eu lhe dei as minhas chaves.

— Você dirige.

Patch nos levou por um maravilhoso e luxuoso condomínio de casas geminadas

com vista para a Baía Casco. O charme histórico das construções (tijolos de um

vermelho profundo misturados a pedras da pedreira local) o fazia ser estimado em

bem mais de uma centena de anos, mas havia sido renovado por completo, com

janelas reluzentes, colunas de mármore preto, e um porteiro. Patch estacionou em

uma garagem privada e abaixou a porta, deixando-nos em uma escuridão fria.

— Casa nova? — perguntei.

— Pepper contratou alguns bandidos Nephilim para redecorarem o meu estúdio

embaixo da Delphic. Precisava de um lugar rápido com boa segurança.

Nós saímos do Volkswagen, subimos por um lance estreito de escada, passamos

por uma porta, e saímos na nova cozinha do Patch. Janelas de uma parede à outra

ofereciam uma visão incrível da baía. Alguns veleiros brancos pontilhavam a água,

e uma neblina pitoresca encobria os penhascos em volta. A folhagem outonal

rodeava a baía, queimando em tons vibrantes de

vermelho, parecendo incendiar a paisagem. A doca na base das casas geminadas

parecia ser acessada apenas de carro.

— Maneiro — eu disse ao Patch.

Por trás, ele me deu uma xícara de chocolate quente e beijou a minha nuca.

— É mais exposto do que eu gostaria, e isso não é algo que eu diga com muita

frequência.

Eu me reclinei contra ele, bebericando a minha bebida.

— Estava preocupada com você.

— Pepper me surpreendeu do lado de fora do Devil’s Handbag ontem à noite. Com

isso quero dizer que não tive chance de falar com o nosso amigo Nephilim, o

Chapéu de Caubói. Mas dei alguns telefonemas e andei por aí, começando com a

cabana para onde ele te levou. Ele não é muito esperto. Levou você para a cabana

da avó dele. O verdadeiro nome do Chapéu de Caubói é Shaun Corbridge, e ele

tem dois anos, pela contagem dos Nephilim. Jurou fidelidade dois Natais atrás e se

alistou voluntariamente no exército de Mão Negra. Tem temperamento curto e um

histórico de uso de drogas. Está procurando uma maneira de se destacar, e acha

que você é a saída dele. Nem preciso falar sobre a tendência dele para fazer

burrices. — Patch beijou o meu pescoço novamente, desta vez prolongando a

estadia de sua boca. — Também senti a sua falta. O que tem para mim?

Hmm, por onde eu começo?

— Poderia te contar sobre como Pepper tentou me raptar esta manhã e me

manteve refém, ou talvez você gostaria de ouvir sobre como Dante, em segredo,

me deu uma bebida acentuada com artes do mal? Parece que Blakely, mão direita

do Hank, está brincando com as artes do mal há meses e desenvolveu uma droga

de alta-performance para os Nephilim.

— Eles fizeram o quê? — ele rugiu em uma voz que não poderia ser mais raivosa.

— Pepper te machucou? E eu vou fazer pedacinhos do Dante!

Eu balancei minha cabeça, indicando que não, mas fiquei surpresa quando lágrimas

saltaram aos meus olhos. Eu sabia por que Dante tinha feito aquilo (ele precisava

que eu fosse forte o bastante fisicamente para liderar os Nephilim à vitória), mas

me ressenti do modo como fez. Ele tinha mentido para mim. Havia me enganado e

me feito beber uma substância não só proibida na Terra, mas potencialmente

perigosa. Eu não era ingênua o bastante para achar que as artes do mal não tinham

efeitos colaterais negativos. Os poderes podiam perecer, mas uma semente do mal

havia sido embutida dentro de mim.

Eu disse:

— Dante falou que os efeitos da bebida passam depois de um dia. Essa é a boa

notícia. A má é que eu acho que ele planeja apresentar a bebida para inúmeros

outros Nephilim, e logo. Dará a eles... superpoderes. É a única maneira que consigo

descrever isso. Quando eu bebi, corri mais rápido e pulei mais alto, e afiou os meus

sentidos. Dante disse que, um a um, um Nephil poderia vencer um anjo caído. Eu

acredito nele, Patch. Eu fugi do Pepper. Um arcanjo. Sem a bebida, ele me teria

presa agora mesmo.

Uma fúria gelada queimou nos olhos de Patch.

— Diga onde posso achar o Dante — ele falou nitidamente.

Eu não esperava que Patch ficasse com tanta raiva (um descuido gigantesco, em

retrospecto). É claro que ele estava fervendo de raiva. O problema era que, se ele

fosse encontrar o Dante agora, Dante saberia que eu tinha contado sobre as artes

do mal para o Patch. Eu precisava planejar meu jogo com cuidado.

— O que ele fez foi errado, mas ele achou que estava pensando no que era melhor

para mim — eu ofereci.

Uma risada rouca.

— Acredita realmente nisso?

— Acho que ele está desesperado. Ele não tem mais muitas opções.

— Então ele não está procurando por mais opções.

— Ele também me deu um ultimato. Ou estou com ele e os Nephilim, ou com você.

Ele me contou sobre as artes do mal para me testar. Para ver se eu te contaria. —

Eu levantei as minhas mãos e as deixei cair. — Eu nunca esconderia esta

informação de você. Somos um time. Mas precisamos pensar em como agir.

— Eu vou matá-lo.

Suspirei, apertando as pontas dos dedos nas minhas têmporas.

— Você não está vendo além do seu desprezo pessoal pelo Dante... isso, e sua raiva

por ele.

— Raiva? — Patch deu gargalhada, mas, sem dúvida, foi ameaçador. — Ah, Anjo.

Isso é um pouco dócil para o que eu estou sentindo. Acabei de descobrir que um

Nephil forçou artes do mal para dentro do seu corpo. Não ligo se ele não estava

pensando, e eu não ligo se ele estava entrando em desespero. É um erro que ele

não vai cometer de novo. E antes que se sinta tentada a ter pena dele, saiba disso:

ele sabia das consequências. Eu o avisei que se você se arranhasse enquanto

estivesse sob a vigilância dele, eu o responsabilizaria.

— Sob a vigilância dele? — eu ecoei lentamente, tentando ligar os pontos.

— Eu sei que está treinando com ele — Patch anunciou bruscamente.

— Você sabe?

— Você é uma menina crescida. Pode tomar suas próprias decisões. Obviamente

teve seus motivos para querer aprender autodefesa com Dante, e eu não ia impedi-

la. Eu confio em você; é com ele que me preocupo, e parece que tenho toda razão.

Vou perguntar mais uma vez. Onde ele está se escondendo? — ele quase rosnou,

seu rosto escurecendo.

— O que te faz pensar que ele está se escondendo? — eu disse, miserável,

chateada por, mais uma vez, eu me sentir presa entre Patch e Dante. Entre anjos

caídos e Nephilim. Eu não tinha escondido intencionalmente de Patch as nossas

sessões de treinamento; simplesmente tinha pensado que seria melhor não

provocar mais competição entre ele e Dante.

A risada gélida de Patch fez arrepios dançarem pela minha espinha.

— Se ele for esperto, está se escondendo.

— Também estou com raiva, Patch. Confie em mim, gostaria de voltar no tempo e

desfazer esta manhã Mas odeio sentir como se você comandasse tudo sem mim.

Primeiro, você colocou um dispositivo de rastreamento em mim. Depois, ameaçou

Dante pelas minhas costas. Você está operando de modo perpendicular a mim.

Quero sentir que está do meu lado. Quero sentir que estamos trabalhando nessa

juntos.

O novo celular do Patch tocou, e ele espiou a tela. Um comportamento estranho

para ele. Agora ele costumava deixar todas as chamadas irem para o correio de

voz, e então, cuidadosamente, peneirava as que devia retornar.

— Está esperando uma ligação importante? — perguntei.

— Sim, e preciso lidar com ela agora. Estou do seu lado, Anjo. Sempre estarei.

Desculpa se você sente como se eu estivesse minando os seus desejos. É a última

coisa que eu quero, acredite em mim. — Ele roçou um beijo na minha boca, mas

pareceu brusco. Patch já estava caminhando com propósito na direção das escadas,

que desciam até a garagem. — Preciso que faça uma coisa para mim. Veja se

consegue descobrir alguma coisa sobre Blakely. Onde é a casa dele atualmente, os

locais que ele visitou por último, quantos guarda-costas Nephilim ele tem para

protegê-lo, e quando ele planeja introduzir essa superbebida ao público geral.

Você está certa, não acho que artes do mal se espalharam para além de Dante e

Blakely. Se tivessem, os arcanjos teriam interferido. Nós falamos em breve, Anjo.

— Então vamos terminar essa conversa depois? — eu gritei para ele, ainda

estupefata com a partida rápida dele.

Ele parou no alto da escada.

— Dante te deu um ultimato, mas isso já iria acontecer, com ou sem ele. Não posso

tomar essa decisão por você, mas se quiser a minha opinião, me avise. Ficarei feliz

em ajudar. Coloque o alarme antes de sair. Sua chave pessoal está na bancada.

Você é sempre bem-vinda. Entrarei em contato.

— E quanto ao Cheshvan? — disse. Eu não tinha passado por nem metade das

coisas que eu queria discutir com ele, e agora ele estava fugindo. — Começa hoje à

noite, com a lua cheia.

Patch assentiu bruscamente.

— Há um pressentimento ruim no ar. Vou ficar de olho em você, mas quero que

você também fique alerta. Não fique fora de casa mais tarde que o necessário. O

seu toque de recolher hoje é ao pôr do sol.

Já que eu não via razão para voltar para escola sem um papel válido de permissão,

e já que, se saísse agora, eu ficaria apenas por uma hora antes do sino final tocar,

decidi ficar na casa do Patch e vasculhar meus pensamentos-barra-alma.

Fui caçar um lanche na geladeira, mas estava vazia. Era bem aparente que Patch

havia se mudado às pressas e que a mobília havia sido inclusa. Os cômodos eram

imaculados, pecando pela falta de qualquer toque pessoal. Utensílios de aço

inoxidável, pintura cinza-acastanhada, chão de imbuia. Mobília moderna americana

com cores sólidas. TV de tela plana e poltronas de couro de frente uma para outra.

Masculino, estiloso e sem calor.

Eu repassei minha conversa com Patch e decidi que ele não tinha parecido nem um

pouquinho compreensivo em relação ao ultimato de Dante e ao meu grande

dilema. O que isso significava? Que ele achava que eu podia resolver as coisas por

conta própria? Que escolher entre Nephilim e anjos caídos era moleza? Porque não

era. A escolha ficava mais difícil a cada dia que passava.

Eu refleti sobre as coisas que eu sabia. Isso é, que Patch queria que eu descobrisse

o que Blakely estava tramando. Patch provavelmente achou que Dante fosse meu

melhor contato, um intermediário entre eu e Blakely, por assim dizer. E para que as

linhas de comunicação entre nós continuassem abertas, provavelmente era melhor

que eu deixasse Dante pensando que estava do lado dele. Que eu estou de acordo

com os Nephilim.

E estou. De muitas maneiras. Eu simpatizava com eles porque eles não lutavam

para dominar ou por alguma outra ambição desvirtuosa; eles lutavam pela sua

liberdade. Eu entendia. E admirava isso. Faria qualquer coisa para ajudar. Mas eu

não queria que Blakely ou Dante colocassem os anjos caídos em risco. Se eles

fossem exterminados da Terra, Patch sumiria junto. Eu não estava disposta a perder

o Patch, e faria o que fosse necessário para me certificar de que a espécie dele

sobrevivesse.

Em outras palavras, eu não estava nem um pouco mais perto das repostas. Eu tinha

voltado a estaca zero, jogando dos dois lados. A ironia disso tudo me atingiu. Eu

era igual ao Pepper Friberg.

A única diferença entre eu e Pepper era que eu queria tomar partido. Todo esse

negócio de ficar me escondendo e mentindo e fingindo ter alianças com dois lados

opostos estava me mantendo acordada de noite. Logo a minha mente seria

consumida por mentiras memorizadas, para que assim eu não fosse pega na minha

própria rede elaborada.

Eu arfei. E olhei de novo o freezer do Patch. Nenhum pote de sorvete tinha

aparecido como mágica desde a última vez em que eu chequei.

CAPÍTULO

11

ÀS CINCO HORAS DA MANHÃ SEGUINTE, O MEU COLCHÃO afundou sob o peso de um segundo

corpo. Meus olhos se abriram de imediato e encontraram Dante sentado no pé da cama

com uma expressão sombria.

— E daí? — ele perguntou, direto.

Eu tinha passado o dia todo ontem, até anoitecer, tentando me decidir, e finalmente tinha

escolhido que atitude tomar.

As sobrancelhas dele se levantaram ligeiramente, fazendo uma pergunta, com a esperança

visível.

— Isso significa o que eu acho que significa?

— Não vou treinar lá fora com anjos caídos, vou? — Não era exatamente uma resposta

direta, e esperei que Dante não pressionasse mais.

Ele sorriu.

— Se demorar mais que cinco minutos, vai.

— Mas chega da parada azul — disse, fazendo-o parar abruptamente na porta. — Para

deixar bem claro.

— A amostra de ontem não te convenceu? — Para minha consternação, ele não parecia

ter sentido remorso. De fato, a expressão dele revelava decepção.

— Eu tenho a sensação de que ela não passaria na lista de aprovados da Anvisa.

— Se mudar de ideia, é cortesia da casa.

Decidi tirar proveito do rumo dessa conversa.

— Blakely está desenvolvendo alguma outra bebida aprimorada? E quando acha que ele

vai aumentar o grupo de teste?

Ele deu de ombros, evasivo.

— Não falo com Blakely faz um tempinho.

— Sério? Está testando artes do mal para ele. E vocês dois eram próximos de Hank. Fico

surpresa de saber que não mantém contato.

— Conhece o ditado “não ponha todos os ovos na mesma cesta”? Essa é a nossa

estratégia. Blakely desenvolve os protótipos no laboratório e outra pessoa os entrega para

mim. Se algo acontecer a um de nós, o outro está a salvo. Não sei onde Blakely está,

então, se anjos caídos me capturarem e me torturarem, não poderei lhes contar nada de

útil. É o procedimento padrão. Vamos começar com uma corrida de 24km, então esteja

bem hidratada.

— Espera. E o Cheshvan? — eu estudei o rosto dele firmemente, me preparando para o

pior. Fiquei deitada acordada ontem à noite por várias horas, aguardando nervosa por

uma manifestação exterior de sua chegada. Esperei uma mudança no ar, uma corrente de

energia negativa crepitando pela minha pele, ou algum outro sinal sobrenatural. Invés

disso, o Cheshvan havia chegado sem nem mesmo um sussurro. Ainda assim, em algum

lugar lá fora, eu tinha certeza que milhares de Nephilim estavam sofrendo de maneiras

que eu nem conseguia imaginar.

— Nada — disse, carrancudo.

— O que quer dizer com “nada”?

— Até onde eu saiba, nenhum anjo caído possuiu seu vassalo ontem à noite.

Eu me sentei.

— Isso é bom! Não é? — Eu acrescentei, após ver a expressão grave de Dante.

Ele respondeu devagar.

— Não sei o que significa. Mas não acho que seja bom. Eles não adiariam isso sem razão...

e uma bem boa. — ele acrescentou, hesitante.

— Não entendo.

— Bem-vinda ao clube.

— Pode ser uma guerra psicológica? Acha que estão tentando perturbar os Nephilim?

— Acho que eles sabem algo que a gente não sabe.

Após Dante fechar cuidadosamente a porta do meu quarto, eu coloquei um moletom e

armazenei mentalmente essa nova informação. Eu estava morrendo de vontade de

conseguir a opinião do Patch sobre o começo inesperado e anticlimático do Cheshvan.

Já que ele era um anjo caído, era provável que tivesse uma explicação mais detalhada. O

que essa pausa significava?

Decepcionada por não ter uma resposta, mas sabendo que era perda de tempo especular,

eu me foquei no que mais eu tinha aprendido. Eu me sentia um passo infinitésimo mais

perto de localizar a origem das artes do mal. Dante disse que ele e Blakely nunca se

encontravam pessoalmente, e que um intermediário atuava como ligação, passando os

protótipos de Blakely para Dante. Eu precisava encontrar o elo de ligação.

Do lado de fora, Dante meramente correu em disparada até a floresta, meu sinal para

segui-lo. Logo de cara eu consegui perceber que a bebida azul batizada com arte do mal

tinha desaparecido do meu sistema. Dante ziguezagueava entre árvores em velocidades

perigosas, enquanto eu ficava para trás, concentrando-me em cada passo para minimizar

machucados. Mas mesmo eu só podendo contar apenas com a minha própria força, eu

conseguia perceber que estava melhorando. Rapidamente. Um pedregulho enorme estava

diretamente afrente do meu caminho, e ao invés de dar uma guinada e desviar, em um

milésimo de segundo tomei a decisão de saltar sobre ele. Plantei meu pé no meio da

superfície curvada, me projetei para cima, e alcei voo acima do pedregulho. Ao pousar,

deslizei imediatamente sob uma árvore espinhenta com galhos baixos, e sem parar para

descansar, fiquei de pé do outro lado e retomei a corrida.

Ao fim da volta de 24km, eu estava empapada de suor e respirando com dificuldade.

Reclinei-me contra uma árvore e virei a cabeça para cima, a fim de recuperar o fôlego. —

Está melhorando — disse Dante, parecendo surpreso. Eu o espiei de lado. Ele, é claro,

ainda parecia ter acabado de sair do banho, sem um cabelo fora do lugar.

— E sem a ajuda das artes do mal — eu apontei.

— Você veria resultados ainda maiores se concordasse em tomar a superbebida.

Eu me propeli da árvore e girei os braços, esticando os músculos do ombro.

— O que tem na lista? Mais treinamento de força?

— Truques mentais.

Isso me pegou desprevenida.

— invadir mentes?

— Fazer pessoas, em especial anjos caídos, verem algo imaginário.

Não precisava de uma definição. Tinham feito truques mentais em mim, e nunca essa

experiência tinha sido agradável. O objetivo de um truque mental era enganar a vítima.

— Não sei não — eu me esquivei. — É realmente necessário?

— É uma arma poderosa. Especialmente para você. Se puder fazer seu oponente, que é

mais rápido, mais forte e maior que você, acreditar que você é invisível ou que ele está

prestes a cair de um precipício, estes poucos segundos a mais podem ser a sua salvação.

— Tudo bem, me mostra como é que se faz — eu disse, relutante.

— Primeiro passo: invada a mente do seu oponente. É como falar mentalmente. Tente em

mim.

— Isso é mole — disse, lançando minha rede mental na direção de Dante, aprisionando

sua mente, e empurrando palavras em seus pensamentos conscientes. Estou na sua

mente, dando uma olhadinha, e é terrivelmente vazio por aqui.

Sabichona — retrucou Dante.

Ninguém mais diz isso. Falando nisso, quantos anos Nephilim você tem? Eu nunca tinha

pensado em perguntar.

Jurei lealdade durante a invasão napoleônica na Itália, minha terra natal. E isso foi no ano

de...? Dá uma mãozinha aqui. Não sou cdf em história.

Dante sorriu. 1796.

Uau. Você é velho.

Não, sou experiente. Próximo passo: Separe os fios que formam os pensamentos do seu

oponente. Estilhace-os, misture-os, quebre-os ao meio, o que quer que funcione para você.

Os modos de cumprir este passo variam entre os Nephilim. Para mim, estilhaçar os

pensamentos das minhas vítimas é melhor. Eu vou até a parede na mente deles, aquela

que protege o centro onde cada pensamento é formado, e a estilhaço. Assim.

Antes que eu a menos percebesse o que estava acontecendo, Dante tinha me encostado

contra uma árvore, retirando gentilmente algumas mechas de cabelo da minha testa. Ele

elevou meu queixo para cima para me olhar nos olhos, e eu não conseguiria me

desvencilhar daquele olhar penetrante nem se eu quisesse. Eu saboreei seus lindos traços.

Olhos de um castanho escuro localizados em uma distância igual de seu forte e reto nariz.

Lábios exuberantes que se curvavam em um sorriso confiante. Cabelo castanho espesso

que caía por cima de sua testa. Seu maxilar era amplo, esculpido e macio, recém-

barbeado. Tudo isso contra um fundo de pele cremosa, cor de oliva.

Eu não conseguia pensar em mais nada, exceto em como seria bom beijá-lo. Qualquer

outro pensamento na minha cabeça havia sido retirado, e não me importei com isso.

Estava perdida em um sonho celestial, e se eu nunca mais acordasse, eu nem ligaria. Beije

Dante. Sim, era exatamente isso que eu queria. Fiquei na ponta dos pés, apertando a

distância entre as nossas bocas, uma batida trêmula e emocionante parecida com asas no

meu peito. Asas. Anjos. Patch.

Por impulso, levantei uma nova parede na minha cabeça. E de repente vi como a situação

realmente era. Dante estava me encostando contra uma árvore, até aí era verdade, mas

eu não queria ficar de pegação com ele.

— Demonstração terminada — disse Dante, seu sorriso um tanto arrogante demais para o

meu gosto.

— Da próxima vez, escolha uma demonstração mais apropriada — eu disse, tensa. —

Patch te mataria se ficasse sabendo disso.

O sorriso dele não vacilou.

— Essa é uma figura de linguagem que não funciona muito bem com os Nephilim.

Eu não estava no clima para piadinhas.

— Eu sei o que está fazendo. Está tentando provocá-lo. Essa rivalidade mesquinha entre

vocês dois vai estourar e ficar muito mais séria se você mexer comigo. Patch é a última

pessoa que você quer irritar. Ele não guarda rancor, porque as pessoas que cruzam o

caminho deles tendem a desaparecer bem rapidinho. E isso que você acabou de fazer

irritaria ele.

— Foi a primeira ideia que eu tive — disse ele. — Não vai acontecer de novo. — Eu poderia

ter me sentido melhor com o pedido de desculpas dele se ele tivesse parecido, mesmo que

remotamente, arrependido.

— Certifique-se de que não aconteça — eu respondi em um tom de ferro.

Dante parecia dispensar qualquer sentimento ruim com facilidade.

— Agora é a sua vez. Entre na minha cabeça e estilhace os meus pensamentos. Se

conseguir, substitua-os com alguma criação própria. Em outras palavras, crie uma ilusão.

Já que voltar ao trabalho era o modo mais rápido de acabar com esta tarefa e com o

tempo que estava passando com Dante, eu empurrei a minha irritação pessoal de lado e

me concentrei na tarefa em mãos. Com as minhas redes ainda nadando pela mente de

Dante, primeiro visualizei apanhar os pensamentos dele, e então afastar cada fio pequeno,

um por vez. A imagem que estava na minha mente não era muito diferente do que fatiar

queijo, uma fatia fina depois da outra.

Trabalhe mais depressa, ordenou Dante. Sinto você na minha cabeça, mas você não está

criando nenhuma turbulência. Crie ondas, Nora. Balance o barco. Atinja antes que eu

perceba. Pense que isso é uma armadilha. Se eu fosse um oponente de verdade, tudo que

isso conseguiria seria me informar de que você está se aventurando na minha cabeça. E

isso vai te deixar cara a cara com um anjo caído bastante irritado.

Eu recuei da mente de Dante, respirei profundamente, e lancei minhas redes de novo,

desta vez mais longe. Fechando meus olhos para bloquear qualquer distração, criei uma

nova imagem. Tesouras. Tesouras gigantescas e reluzentes. Eu cortei os pensamentos de

Dante...

— Mais rápido — ladrou Dante. — Consigo sentir a sua hesitação. Está tão insegura de si

mesma que praticamente sinto o cheiro das suas dúvidas. Qualquer anjo caído que valesse

seu peso iria se apoderar desse fato. Tome o controle!

Eu me retirei novamente, fechando as mãos em punhos enquanto ficava cada vez mais

frustrada. Com Dante e comigo mesma. Ele me forçava demais e colocava suas

expectativas nas alturas. E eu não conseguia banir as vozes de dúvida que riam dentro da

minha cabeça. Eu me censurei por ser aquilo que Dante achava que eu era: fraca.

Eu tinha vindo esta manhã para manter a minha relação com Dante, motivada em usá-lo

para chegar até Blakely e seu laboratório das artes do mal, mas isso não significava nada

para mim agora. Eu queria dominar isso. Fúria e indignação estouraram na parte de trás

dos meus olhos como pequenas bolinhas vermelhas. A minha visão se estreitou. Eu não

queria mais ser inadequada. Não queria ser menor, mais devagar, mais fraca. Uma

determinação feroz pareceu fazer o meu sangue ferver. Meu corpo inteiro tremeu com

uma resolução obstinada à medida que eu encarava o olhar de Dante. Todo o restante

sumiu. Só havia eu e ele.

Lancei uma rede mental na mente de Dante com todo o fervor que eu tinha. Joguei na

mente de Dante a raiva que sentia de Hank, as inseguranças sobre mim mesma e a

sensação horrível de cabo de guerra que me rasgava toda vez que eu pensava em escolher

entre Patch e os Nephilim. Visualizei instantaneamente uma enorme explosão, nuvens de

fumaça e escombros espalhando-se, como uma praga, mais para o alto, em alturas

infinitas. Eu disparei outra explosão, e mais uma. Causei danos em qualquer esperança

que ele tinha de manter seus pensamentos ordenados.

Dante se balançou nos calcanhares, visivelmente perturbado.

— Como fez isso? — por fim ele conseguiu perguntar. — Eu... não conseguia ver. Nem sei

ao certo onde eu estava. — Ele piscou diversas vezes sucessivas, me encarando como se

não acreditasse que eu fosse real. — Foi como... ficar pendurado entre dois instantes de

tempo. Não havia nada. Nada. Era como se eu não existisse. Nunca algo assim aconteceu

comigo antes.

— Imaginei que estava bombardeando a sua cabeça — confessei.

— Bem, funcionou.

— Então eu passei?

— É, pode-se dizer que sim — Dante me disse, balançando a cabeça em descrença. — Faço

isso há muito tempo e nunca vi nada parecido.

Eu não sabia se devia me sentir exultante por finalmente ter feito algo certo ou culpada,

por ter sido surpreendentemente boa em invadir a mente de Dante. Não era o talento

mais honrado no qual se sobressair. Se eu pudesse ter algum troféu na minha penteadeira,

não escolheria por vontade própria um sobre corromper a mente das pessoas.

— Então acho que acabamos por aqui? — perguntei.

— Até amanhã — disse Dante, sua expressão ainda de estupefação. — Bom trabalho,

Nora.

Eu corri o restante do caminho até a minha casa em uma velocidade normal e humana

(excruciantes e lerdos 9km por hora), porque o sol já tinha começado a nascer, e embora

eu não sentisse nenhum humano nas proximidades, não fazia mal ser prudente. Eu saí da

floresta, cruzei a estrada até a casa de fazenda, e parei abruptamente na base da garagem.

O Toyota 4Runner vermelho de Marcie Millar estava estacionado bem à frente.

Com meu estômago se apertando cada vez mais, eu corri até a sacada. Diversas caixas de

mudança estavam empilhadas na porta. Eu as empurrei para entrar em casa, mas antes

que eu conseguisse dizer uma palavra, minha mãe pulou da mesa da cozinha.

— Aí está você! — exclamou ela, impaciente. — Onde esteve? Marcie e eu passamos a

última meia hora tentando pensar para onde você poderia ter fugido a uma hora dessas.

Marcie estava sentada na minha mesa da cozinha, com as mãos enroladas ao redor de

uma xícara de café. Ela me lançou um sorriso inocente.

— Fui correr — eu disse.

— Estou vendo — minha mãe afirmou. — Só queria que tivesse me contado. Nem se

incomodou em deixar um bilhete.

— São sete da manhã. Você devia estar na cama. O que ela está fazendo aqui?

— Estou bem aqui — Marcie disse docemente. — Pode falar comigo.

Fixei os olhos nela.

— Está bem. O que você está fazendo aqui?

— Eu te disse. Não estou me dando bem com a minha mãe. Precisamos de espaço para

respirar. Por ora, acho que o melhor é eu me mudar para cá. Minha mãe não vê problema

nisso. — Não parecendo nem um pouco embaraçada, ela tomou um gole de café.

— Por que você acha que isso é uma boa ideia, quanto mais uma razoável?

Marcie revirou os olhos.

Se liga. Somos parentes.

Meu queixo caiu e meus olhos imediatamente foram até a minha mãe. Para minha

descrença, ela não parecia aturdida.

— Ai, Nora — disse ela. — Todos nós sabíamos, mesmo sem ninguém disposto a dizer. Sob

as circunstâncias, Hank iria querer que eu recebesse Marcie de braços abertos.

Eu estava sem palavras. Como ela podia ser boa com Marcie? Ela não se lembrava da

nossa história com os Millars?

Isso era culpa do Hank, eu fervi por dentro. Eu esperei que seu laço com a minha mãe

fosse acabar com a morte dele, mas todas as vezes que eu tentava conversar sobre ele, ela

adotava a mesma atitude serena: Hank iria voltar para ela, ela queria isso, e ela esperaria

lealmente por ela. Seu comportamento bizarro era mais uma evidência da minha teoria:

Hank havia utilizado algum truque mental maluco com artes de mal nela antes de morrer.

Nenhum argumento meu penetraria na lembrança perfeita dela de um dos homens mais

malignos que já havia habitado o nosso planeta.

— Marcie é da família, e embora as circunstâncias sejam um pouco estranhas, ela fez certo

em nos procurar para pedir ajuda. Se não puder contar com a sua família, com quem

poderá contar? — minha mãe continuou.

Eu ainda a encarava, frustrada por sua atitude sedada, quando uma segunda luz se

acendeu. É claro. Hank não era o único culpado nessa farsa. Como eu havia levado tanto

tempo para perceber? Voltei meus olhos para Marcie.

Está fazendo truques mentais nela? Eu falei acusatoriamente na mente dela . É isso? Eu sei

que está fazendo alguma coisa, porque de jeito nenhum minha mãe, se estivesse racional,

te deixaria morar com a gente.

A mão de Marcie voou até sua cabeça, e ela ganiu.

— Oh! Como fez isso?

Não se finja de burra comigo. Eu sei que você é uma Nephil, se lembra? Você pode fazer

truques mentais e pode falar mentalmente. Eu não caio nesse seu teatrinho. E de jeito

nenhum você vai se mudar para cá.

Que seja, Marcie disparou de volta. Conheço as conversas mentais. E conheço os truques

mentais. Mas não estou fazendo nada disso na sua mãe. Minha mãe justifica o

comportamento maluco dela dizendo que meu pai também iria querer isso, sabe. Ele

provavelmente fez truques mentais nas nossas mães antes de morrer. Ele não iria querer as

nossas famílias brigando. Não me culpe só porque sou um alvo a disposição para a sua

raiva.

— Marcie, vou limpar o quarto sobressalente para você até a hora que voltar da escola, de

tarde — minha mãe disse, olhando ferozmente para mim. — Perdoe a Nora por ser tão

indelicada. Ela está acostumada a ser filha única e a conseguir o que quer. Talvez esse

novo arranjo de moradia lhe dê uma nova percepção.

— Eu estou acostumada a conseguir o que eu quero? — eu a desafiei. — Marcie também é

filha única. Se vamos apontar dedos, que pelo menos sejamos justas.

Marcie sorriu, juntando suas mãos numa demonstração de deleite.

— Muito obrigada, Sra. Grey. Agradeço mesmo. — Ela teve a audácia de sair pulando e

abraçar a minha mãe.

— Só me mate — murmurei.

— Cuidado com o que deseja — cantarolou Marcie em um tom açucarado.

— Está pronta para isso? — perguntei a minha mãe. — Duas adolescentes, uma terrível

rivalidade, e, o mais importante de tudo, um banheiro compartilhado.

Para meu nojo, a minha mãe sorriu.

— Família: o esporte mais radical de todos. Depois da escola vamos levar as caixas da

Marcie para o andar de cima, instalá-la, e então vamos sair para comer pizza. Nora,

poderia chamar o Scott para ajudar? Algumas caixas devem ser pesadas.

— Acho que o Scott ensaia com a banda nas quartas — menti, sabendo muito bem que

Vee teria um ataque histérico se descobrisse que eu permiti que Marcie e Scott ficassem

no mesmo cômodo juntos.

— Eu falo com ele — intrometeu-se Marcie. — Scott é um amorzinho. Posso convencê-lo a

vir para cá depois do ensaio. Tudo bem se eu convidá-lo para comer pizza, Sra. Grey?

Oi? Scott Parnell? Um amorzinho? Eu era a única que ouvia o absurdo que era isso?

— É claro — minha mãe disse.

— Tenho que tomar banho — disse, procurando alguma desculpa para fugir de cena. Eu

tinha atingido a minha cota máxima de Marcie do dia e precisava me recuperar. Um

pensamento desencorajador me atingiu. Se Marcie se mudasse, eu atingiria o meu limite

todos os dias às sete da manhã.

— Ah, Nora? — minha mãe me chamou antes que eu alcançasse as escadas. — A escola

deixou uma mensagem no telefone ontem de tarde. Acho que era da secretaria. Sabe por

que eles ligariam?

Eu congelei.

Marcie permaneceu atrás da minha mãe, balbuciando Pega para mim, quase incapaz de

conter seu júbilo.

— Hm, vou dar uma passadinha na secretaria hoje e ver o que eles precisam — disse. —

Provavelmente foi uma ligação de rotina.

— É, provavelmente — Marcie repetiu, com aquele sorriso presunçoso e soberbo dela que

eu odiava mais que tudo.

CAPÍTULO

12

POUCO DEPOIS DO CAFÉ DA MANHÃ, EU ESBARREI EM MARCIE NA varanda da frente. Ela

estava saindo pela porta, papeando no seu celular, e eu estava voltando para

dentro, procurando por ela.

— Seu 4Runner está bloqueando o meu carro — eu disse.

Ela ergueu um dedo, sinalizando para eu esperar. Eu agarrei o celular dela, finalizei

a chamada e repeti mais irritadamente.

— Você está bloqueando meu carro.

— Não precisa ficar tão nervosinha. E não me enche. Se você tocar no meu celular

de novo, eu vou mijar no seu cereal Cheerios.

— Isso é nojento.

— Era Scott no telefone. Ele não tem ensaio hoje, e ele quer ajudar com as caixas.

Ótimo. Eu já ansiava discutir sobre isso com Vee, que não iria acreditar em mim

quando eu dissesse “Eu tentei”.

— Tanto quanto eu amaria sentar aqui e ficar de papo furado, eu tenho aula.

Então... — eu gesticulei dramaticamente para o 4Runner de Marcie, que estava

inconvenientemente encurralando o Volkswagen.

— Sabe, se você precisa de um passe para faltar aula, eu tenho alguns extras. Eu

trabalho na secretaria, e de vez em quando eles encontram o caminho para dentro

da minha bolsa.

— Por que você acha que eu precisaria de um passe desses?

— A secretaria deixou uma mensagem em seu telefone — Marcie afirmou,

claramente não impressionada com minha inocência fingida. — Você cabulou aula,

não foi? — Não era realmente uma pergunta.

—Ok, então talvez eu precise de um passe da enfermaria — eu admiti.

Marcie me deu um olhar condescendente.

— Você usou a velha desculpa de “eu estou com dor de cabeça”? Ou talvez a

clássica: TPM. E por que matou aula?

— Não é da sua conta. Pode me conseguir o passe ou não?

Ela abriu sua bolsa, escavou-a, e retirou um papel de passe rosa com a logomarca

da escola. Até onde eu sabia, não era uma cópia.

— Pegue-o — ela disse.

Eu hesitei.

— Essa é uma daquelas coisas que vai voltar para me assombrar?

— Minha nossa, como somos desconfiadas.

— Se parece bom demais para ser verdade...

— Pegue logo o passe — ela disse, acenando-o no meu rosto.

Eu tinha a má sensação de que esse era um favor com restrições.

— Daqui a dez dias você vai precisar de alguma coisa em troca? — eu pressionei.

— Talvez não em dez dias...

Eu parei a minha mão.

— Então esqueça.

— Eu estou apenas brincando! Aff. Você não é divertida. Essa é a verdade. Eu

estava tentando ser legal.

— Marcie, você não sabe como ser legal.

— Considere isso como uma tentativa sincera — ela disse, e estalou o passe cor-

de-rosa em minha palma. — Pegue isso, e eu irei tirar o meu carro.

Eu guardei o passe no bolso e disse:

— Enquanto nós ainda estamos em condições de conversar, eu tenho uma

pergunta. Seu pai era amigo de um cara chamado Blakely, e eu preciso encontrá-lo.

O nome dele te soa familiar?

Seu rosto era uma máscara. Difícil de dizer se ela tinha tido uma reação.

— Depende. Você vai me dizer por que você precisa encontrá-lo?

— Eu tenho algumas perguntas pra ele.

— Que tipo de perguntas?

— Eu prefiro não compartilhar.

— Então eu também não vou.

Eu engoli alguns comentários desagradáveis e tentei novamente.

— Eu gostaria de contar a você, Marcie, eu realmente contaria, mas existem

algumas coisas que é melhor você não saber.

— Isso era o que meu pai sempre me dizia. Eu acho que ele estava mentindo na

época, e eu acho que você está mentindo agora. Se você quer minha ajuda

encontrando Blakely, eu quero uma revelação completa.

— Como eu sei que você sequer sabe alguma coisa sobre Blakely? — eu protestei.

Marcie era boa em encenar jogos, e eu não ia isentá-la de blefar agora.

— Meu pai me levou na casa de Blakely uma vez.

Eu pulei sobre a informação.

— Você tem um endereço? Você sabe voltar lá?

— Blakely não vive mais lá. Ele estava se divorciando na época, e meu pai

temporariamente o colocou em um apartamento. Mas eu vi algumas fotografias

sobre a lareira. Blakely tem um irmão caçula. Você o conhece, porque ele vai a

escola com a gente. Alex Blakely.

— O jogador de futebol americano?

— A estrela da posição de running back.

Eu estava atordoada. Isso significava que Alex era Nephilim também?

— Blakely e o irmão dele são próximos?

— Blakely se gabou de Alex o tempo todo que eu estive lá. O que era, tipo,

estúpido, porque nosso time de futebol é uma droga. Blakely disse que nunca

perdeu um jogo.

Blakely tinha um irmão. E seu irmão era a estrela de running back da escola

Coldwater.

— Quando é o próximo jogo de futebol americano? — eu perguntei a Marcie,

tentando conter minha animação.

— Sexta-feira, duh. Os jogos são sempre nas sextas.

— Em casa ou fora?

— Em casa.

Um jogo em casa! Blakely estava, presumivelmente, trabalhando todo o tempo

desenvolvendo protótipos; mais uma razão para ele querer deixar o laboratório por

algumas poucas horas e fazer alguma coisa que ele realmente gostasse. Havia

chances de que ele saísse algumas horas nessa noite de sexta para assistir seu

irmão caçula jogar futebol americano. Já que Blakely estava divorciado, Alex devia

ser a única família que ele tinha sobrando. Atender o jogo de Alex seria importante

para ele.

— Você acha que Blakely vai ir ao jogo — Marcie disse.

— Seria muito útil se ele fosse.

— Essa é a parte em que você me conta o que você vai perguntar a ele.

Eu encontrei os olhos de Marcie e menti para ela de cara dura.

— Eu quero saber se ele tem alguma ideia sobre quem matou nosso pai.

Marcie quase se encolheu, mas se impediu no último momento. Seus olhos

encaravam a frente, sem piscar, não indicando nada de seus pensamentos.

— Eu quero estar lá quando você perguntar a ele.

— Claro — eu menti de novo. — Sem problema.

Eu assisti Marcie recuar pela garagem. Assim que ela deu a volta na esquina, eu

enfiei a chave na ignição do Volkswagen. Seis tentativas depois, ele ainda não tinha

ligado, com seu choramingo costumeiro. Eu deixei de lado minha impaciência;

nada poderia azedar o meu humor, nem mesmo o Volkswagen. Eu tinha acabado

de encontrar a pista que eu tão desesperadamente precisava.

Depois da escola eu dirigi até a casa do Patch. Eu tomei as precauções de

segurança/consciência e circulei algumas vezes o quarteirão antes de estacionar no

recém-pavimentado lote com espaços extra amplos de vagas. Eu não gostava de

me sentir como se tivesse que constantemente observar a minha volta, mas eu

gostava de visitas surpresas de Nephilim não amigáveis e arcanjos desviados ainda

menos. E pelo que mundo lá fora sabia, Patch e eu estávamos na Vila dos

Separados. Usando minha chave, eu me permiti entrar.

— Olá? — eu chamei. O lugar parecia vazio. As almofadas do sofá não estavam

amassadas de um uso recente, e o controle da TV não tinha sido movido desde

ontem. Não que eu pudesse imaginar Patch sentado assistindo ESPN a tarde toda.

Se eu tivesse que adivinhar, ele tinha provavelmente gastado o dia tentando

encontrar o verdadeiro chantagista de Pepper ou rastreando o Chapéu de Caubói e

Cia.

Eu andei mais adentro do recinto. Um lavabo à direita, um quarto livre à esquerda,

quarto principal no fundo. O covil de Patch.

Sua cama tinha um edredom azul-marinho, lençóis marinhos que combinavam e

almofadas decorativas que também pareciam intocadas. Eu abri as persianas e sorvi

a deslumbrante visão panorâmica da Baía de Casco e Peaks Island sob o céu

nublado. Se Marcie me enchesse demais, eu sempre poderia me mudar para a casa

do Patch. Minha mãe iria amar isso.

Eu enviei a Patch uma sms. ADIVINHA ONDE EU ESTOU?

EU NÃO TENHO QUE ADIVINHAR. VOCÊ ESTÁ USANDO O RASTREADOR, ele

respondeu.

Eu olhei para baixo. Certo, eu tinha vestido a jaqueta jeans hoje.

EM 20 EU ESTAREI AÍ, Patch escreveu. EM QUAL CÔMODO ESPECIFICAMENTE VOCÊ

ESTÁ?

SEU QUARTO.

CHEGO EM DEZ MINUTOS.

Eu sorri e coloquei o celular dentro da minha bolsa. Depois eu caí de costas na

cama kingsize. O colchão era macio, mas não macio demais. Eu imaginei Patch

deitado aqui, esticado nessa mesma cama, vestindo Deus sabia o que. Boxers?

Cuecas? Nadica de nada? Eu tinha os meios e o método para descobrir, mas

percorrer essa rota não parecia a opção mais segura. Não quando eu estava

fazendo meu melhor para manter meu relacionamento com Patch tão

descomplicado quanto possível. Eu precisava que nossas vidas se acalmassem

antes de descobrir quando e se eu queria tomar aquele próximo grande passo...

Dez minutos depois Patch marchou adentro para me encontrar zapeando canais no

sofá. Eu desliguei a TV.

— Você trocou de quarto — ele disse.

— É mais seguro desse modo.

— Eu sou tão assustador?

— Não, mas as consequências podem ser. — Quem eu estava enganando? Sim,

Patch era muito assustador. Com 1,88m de altura, ele era a personificação da

perfeição física masculina. Eu tinha uma figura esguia e bem proporcional e sabia

que eu era atraente, mas eu não era uma superdeusa. Eu não sofria de baixa

autoestima, mas eu era suscetível a intimidação, então não, muito obrigada.

— Fiquei sabendo do Cheshvan — eu disse. — Eu ouvi dizer que estava um pouco

anticlimático.

— Não acredite em tudo que você ouve. As coisas ainda estão bem tensas lá fora.

— Alguma ideia do que os anjos caídos estão esperando?

— Quem quer saber?

Eu lutei contra a urgência de rolar meus olhos.

— Eu não estou espionando para Dante.

— Fico feliz em ouvir isso. — O tom de Patch estava cuidadosamente evasivo.

Eu suspirei, odiando essa tensão entre nós.

— No caso de você estar se perguntando, eu fiz minha escolha. Eu sou sua — eu

disse suavemente. — Toda sua.

Patch jogou as chaves no prato.

— Mas?

— Mas esta manhã eu basicamente disse a Dante a mesma coisa. Eu pensei sobre o

que você disse, que nós precisamos encontrar Blakely e erradicar as artes do mal.

Eu decidi que Dante era provavelmente minha melhor chance em conseguir chegar

perto de Blakely, assim eu meio que...” Era difícil dizer isso em voz alta e não se

sentir como uma total nojenta.

— Você está jogando com ele.

— Soa horrível quando você coloca dessa forma, mas sim. Eu acho que é isso que

eu estou fazendo. — Ser clara sobre isso não fez eu me sentir melhor. Dante e eu

nem sempre concordávamos, mas ele também não merecia ser manipulado.

— Ele ainda está fingindo namorar você? — O tom de Patch esfriou um grau.

— Se eu tiver que adivinhar, ele tem plantado sementes sobre nosso

relacionamento já faz dias. De qualquer modo, é uma farsa, e ele sabe disso melhor

do que ninguém.

Patch sentou-se do meu lado. Diferente do usual, ele não enlaçou seus dedos nos

meus. Eu tentei não deixar isso me incomodar, mas um caroço se prendeu em

minha garganta.

— Cheshvan? — eu propus novamente.

— Eu sei tanto quanto você. Eu tenho deixado claro para os anjos caídos que eu

não quero com essa guerra. Eles se ressentem de mim e se calam quando eu estou

por perto. Eu não vou ser a melhor fonte de informação das atividades dos anjos

caídos tão cedo. — Ele inclinou sua cabeça pra trás para aproveitar o encosto do

sofá e cobriu seu rosto com seu boné de beisebol. Eu meio que esperei que ele

começasse a roncar, ele parecia tão cansado.

— Dia longo? — eu perguntei.

Ele fez um grunhindo de concordância.

— Eu persegui algumas pistas sobre Pepper, esperando lançar alguma luz sobre a

identidade do chantagista, mas acabei de volta à estaca zero. Eu posso lidar com

um monte de coisas, mas um dia improdutivo não é uma dessas coisas.

— Isso vindo do cara que está constantemente tentando me convencer a passar o

dia na cama com ele — eu provoquei, esperando aliviar o humor.

— Anjo, esse seria um dia muito produtivo. — Suas palavras eram brincalhonas,

mas seu tom soou mais desgastado do que qualquer outra coisa.

— Alguma chance de Dabria ser a chantagista? — eu perguntei. — Na outra noite,

no Devil’s Handbag, eu a vi discutindo com Pepper no beco. Ele não parecia feliz.

Patch ficou rígido, ponderando essa notícia.

— Você acha que é possível? — eu pressionei.

— Dabria não está chantageando Pepper.

— Como você sabe? — Eu não gostei que ele tinha tomado dois segundos inteiros

para decidir. Chantagem parecia se encaixar em Dabria como uma luva.

— Eu apenas sei. Como foi o seu dia? — ele perguntou, claramente não querendo

elaborar.

Eu disse a ele sobre a decisão executiva de Marcie de se mudar, e sobre a

cumplicidade da minha mãe. Quanto mais eu falava, mais irritada eu ficava. — Ela

tem um esquema sobre isso — eu disse a Patch. — Eu tenho uma sensação

incômoda de que Marcie suspeita de que eu sei quem matou o pai dela. E se mudar

é uma manobra para me espionar.

Patch descansou sua mão em minha coxa, e eu senti uma onda de esperança. Eu

odiava sentir como se houvesse uma divisão entre nós.

— Existem apenas duas pessoas no mundo que sabem que você matou Hank, e é

um segredo que eu irei carregar para o Inferno e de volta se for preciso. Ninguém

irá descobrir.

— Obrigada, Patch — eu disse a ele sinceramente. — Eu sinto muito se eu magoei

seus sentimentos mais cedo. Eu sinto muito sobre Dante, e sobre toda essa

bagunça. Eu só quero me sentir próxima de você novamente.

Patch beijou a palma da minha mão. Depois ele a colocou sobre seu coração,

segurando-a lá. Eu quero você próxima também, Anjo, ele murmurou em minha

mente.

Eu me aconcheguei ao lado dele, descansando minha cabeça em seu ombro.

Apenas tocá-lo fez a corrente de nós dentro de mim afrouxar. Eu tinha esperado o

dia todo por este momento. Eu podia suportar a tensão entre nós tão bem quanto

eu podia tolerar estar longe dele. Algum dia será apenas você e Patch, eu disse a

mim mesma. Algum dia vocês escaparão do Cheshvan, guerra, anjos caídos, e

Nephilim. Algum dia... apenas os dois.

— Eu descobri uma coisa interessante — eu disse, e eu contei a Patch sobre o

irmão caçula estrela de futebol americano de Blakely, e o registro de

comparecimento perfeito de Blakely aos jogos em casa.

Patch subiu seu boné e olhou dentro de meus olhos.

— Bom trabalho, Anjo — ele disse, claramente impressionado.

— O que faremos agora? — eu perguntei.

— Na noite de sexta nós apareceremos no jogo.

— Você acha que nós iremos assustar Blakely se ele nos vir?

— Ele não vai achar estranho se você estiver no jogo, e eu estarei disfarçado. Eu irei

agarrá-lo e levá-lo a uma propriedade que eu tenho perto do Lago Sebago. Fica

vazio lá em cima essa época do ano. Ruim para Blakely, bom para nós. Eu irei

conseguir que ele me conte sobre os protótipos, onde ele os está fabricando, e nós

iremos encontrar um modo de desativá-los. Então eu irei mantê-lo

permanentemente sob vigilância. Isso será o fim dos dias dele trabalhando com

artes do mal.

— Eu devo avisar a você que Marcie acha que ela vai estar envolvida no

interrogatório dele.

Patch ergueu suas sobrancelhas.

— Foi o preço que eu tive que pagar para conseguir essa informação — eu

expliquei.

— Você fez um juramento de deixá-la acompanhar? — Patch perguntou.

— Não.

— Você fica de consciência pesada?

— Não. — Eu mordi meu lábio. — Talvez. — Uma pausa. — Ótimo. Sim! Sim, eu

fico. Se nós deixarmos a Marcie, eu irei passar a noite toda me sentindo culpada. Eu

menti na cara dela essa manhã, e isso me assombrou o dia todo. Eu moro com ela

agora, Patch. Eu tenho que encará-la. Talvez nós possamos usar isso em nossa

vantagem. Se nós mostrarmos a ela que ela pode confiar na gente, ela pode talvez

nos dar mais informação.

— Há modos mais fáceis de conseguir info, babe.

— Eu digo para nós deixarmos ela acompanhar. O que de pior pode acontecer?

— Ela pode descobrir que nós não terminamos de verdade e contar aos Nephilim.

Eu não tinha pensado sobre isso.

— Ou nós podemos deixar ela nos acompanhar, e eu posso apagar a memória dela

depois. — Ele deu de ombros. — Sem culpa aqui.

Eu refleti sobre isso. Parecia um plano viável. Isso também fazia de mim bem

hipócrita.

Um traço de sorriso rastejou para a boca de Patch.

— Você vai participar dessa operação, ou você vai ser babá da Marcie?

Eu sacudi minha cabeça.

— Você faz o trabalho sujo, e eu ficarei de olho em Marcie.

Patch inclinou-se de lado e me beijou.

— Por mais que eu vá desfrutar em questionar Blakely, eu estou desapontado de

não conseguir assistir você medir forças com Marcie.

— Não vai ser uma luta. Eu vou calmamente explicar que ela pode vir junto no

passeio, mas que ela terá que esperar comigo no carro enquanto você enfrenta

Blakely. Essa é nossa oferta final. Ela pode pegar ou largar. — Enquanto eu dizia

isso, eu percebi o quão estúpida eu soava por acreditar que isso realmente seria

assim fácil. Marcie odiava receber ordens. Na opinião dela, a única coisa pior do

que receber ordens era recebê-las de mim. Por outro lado, ela podia muito bem vir

a ser útil no futuro. Ela era a filha legal de Hank, afinal de contas. Se Patch e eu

íamos montar uma aliança, agora era o momento.

— Eu serei firme — eu prometi a Patch, adotando uma expressão séria. — Sem

recuar.

Agora Patch estava com um sorriso cheio. Ele me beijou de novo, e eu senti minha

boca suavizar sua resolução.

— Você fica fofa quando está tentando ser durona — ele disse.

Tentando? Eu podia ser durona. Eu podia! E na noite de sexta, eu iria provar isso.

Fique de olho, Marcie. Eu estava a alguns quilômetros de casa quando eu passei

por um carro de polícia escondido fora de vista em uma rua lateral. Eu não tinha

passado quinze metros do cruzamento quando o policial ligou sua sirene e

choramingou atrás de mim.

— Ótimo — eu murmurei. — Apenas ótimo!

Enquanto eu esperava pelo policial se aproximar da minha janela, eu mentalmente

contei o dinheiro do meu trabalho de babá, me perguntando se eu teria o

suficiente para pagar a multa.

Ele raspou sua caneta na minha janela e sinalizou para eu baixá-la. Eu olhei através

do vidro para o seu rosto... e o encarei. Não era apenas qualquer policial, mas o

meu menos favorito. Detetive Basso e eu tínhamos uma longa história de suspeita

mútua e forte antipatia.

Eu baixei minha janela.

— Eu estava indo apenas cinco quilômetros acima! — Eu argumentei antes de ele

soltar uma palavra.

Ele estava mastigando um palito.

— Eu não te parei por excesso de velocidade. A lanterna traseira esquerda está

quebrada. Essa é uma multa de cinquenta dólares.

— Você tem que estar brincando.

Ele rabiscou em seu bloco e passou a multa pela janela.

— Perigo para a segurança. Nada sobre o que brincar.

— Você me segue por aí procurando meios de me prender? — eu perguntei, meio

sarcástica, meio temendo.

— Bem que você queria. — Com isso, ele perambulou de volta para o seu carro de

patrulha. Eu o observei dirigir para a estrada e passar por mim. Ele acenou

enquanto fazia isso, mas eu não consegui me forçar a fazer um gesto rude em

resposta. Alguma coisa não estava certa.

Minha coluna formigava, e minhas mãos pareciam como se eu as tivesse

mergulhado em água gelada. Eu tinha sentido uma vibração fria desprendendo-se

do Detetive Basso, fria como um sopro de ar no inverno, mas eu tinha que ter

imaginado isso. Eu estava ficando paranóica. Por que...

Por que eu apenas me sentia daquele modo ao redor de não humanos.

CAPÍTULO

13

NA NOITE DE SEXTA TROQUEI A ROUPA DO COLÉGIO POR UMA CALÇA, MEU

SUÉTER DE LÃ QUENTINHO, um casaco, chapéu e luvas. O jogo não começaria até o

anoitecer e é nessa hora que começa a ficar mais frio. Enquanto eu colocava o suéter,

vi um músculo no espelho. Parei, olhei, e cheguei mais perto pra ver melhor. Havia uma

definição tanto nos meus bíceps quanto nos tríceps. Incrível. Havia treinado uma

semana, e já podia notar. Parecia que o meu corpo Nephilim desenvolvia músculos

muito mais rápido do que podia se esperar de um corpo humano.

Desci correndo a escada, dei um beijo na minha mãe e sai com pressa. O motor

do Wolkswagen protestou de novo contra o frio, mas logo ele cedeu.

- Pensa que isso é ruim? Espera até chegar fevereiro! - Disse ao carro.

Dirigi até a escola, estacionei ao lado da rua ao sul do estádio de futebol, e

liguei pra Patch.

- Estou aqui! - Disse. - Estamos ainda com o plano A?

- A não ser que escute de mim, sim. Estou no meio do povo. Mas não estou

achando Blakely. Sabe alguma coisa da Marcie?

Olhei no relógio que tinha sincronizado com o de Patch mais cedo.

- Eu vou encontrar com ela na lanchonete em 10 min.

- Quer repassar o plano pela última vez?

- Se eu ver o Blakely, te chamo imediatamente. Não me aproximo dele, mas não

deixo ele fora da minha vista.

No começo eu não gostei por Patch querer me manter por fora da ação, mas a

verdade é que eu não queria pegar Blakely sozinha. Não sabia quão forte ele era, e

sejamos realistas, nem conhecia minha própria força. Era melhor deixar isso com Patch,

quem era de longe muito mais experiente com esse tipo de táticas, manusear a derrota

era o melhor movimento.

- E Marcie?

- Vou ficar grudada com ela a noite toda. Depois que você pegar o Blakely, eu

levo ela para sua cabana perto do Sebago Lake. Tenho as instruções aqui. Pego o

caminho mais longo, dando tempo pra você imobilizar e fazer algumas perguntas a

Blakely. Isso é tudo, né?

- Mais uma coisa. - Disse Patch. - Tenha cuidado.

- Sempre. - Disse, e desliguei o carro.

Mostrei minha carteirinha de estudante na bilheteria, comprei um ingresso e fui

direto para a lanchonete, atenta a algum sinal de Blakely. Ele era alto e distinto com

seus cabelos grisalhos e inteligentes, mas um pouco parecido com um professor de

química. Me perguntei, se assim como Patch, ele estaria disfarçado, assim seria mais

difícil encontrar ele no meio da multidão. Será que ele estaria vestido como um

lenhador? Com o traje elegante habitual? Ele poderia pintar o cabelo? Pelo menos, ele

estava no alto do patamar quanto a altura. E eu gostava da ideia de começar com isso.

Encontrei Marcie na lanchonete, tremendo em uma calça de cor rosa e uma

camisa de gola alta e um colete rosa chiclete. Ao ver ela vestida desse jeito algo no

meu cérebro fez um click.

- Onde tá a sua roupa de líder de torcida? Não tem que animar eles essa noite?

- Perguntei.

- É um uniforme e não uma roupa qualquer, e já saí.

- Deixou a equipe?

- Deixei a equipe.

- Serio?

- Tenho coisas maiores com que me preocupar, todo o resto deixa de ter

importância quando descobre o que é. - Ela deu um olhar tenso em volta. - Nephilim.

Inesperadamente, senti um estranho sentimento de afinidade com a Marcie. O

que rapidamente se dissolveu quando me lembrei das diferentes maneiras que a

Marcie fez a minha vida miserável somente no ano passado. Podíamos ser Nephilins,

mas toda a similaridade acabava aí. E seria muito mais inteligente lembrar-se disso.

- Acha que vai reconhecer Blakely se olhar pra ele? - Perguntei, mantendo a

minha voz baixa.

Ela me lançou um olhar irritado.

- Disse que o conhecia, não? Agora sou a melhor ara pra encontrar ele. Então

não me questione.

- Quando você o vir, mantenha discrição. Patch quer pegar Blakely, e nós vamos

seguir até a cabana dele, onde vamos poder fazer as perguntas.

A exceção por um ponto, Blakely estaria desmaiado e nada bem para Marcie.

Pequenos detalhes.

- Pensei que você tinha terminado com Patch.

- E terminei. - Menti, ignorando a culpa que corria por meu estômago. - Mas eu

não confio em mais ninguém para me ajudar com o Blakely. Só porque Patch e eu não

estamos mais juntos, não quer dizer que não posso mais pedir favores.

Se ela não acreditava na minha explicação, eu não estava nem um pouco

preocupada. Patch poderia apagar da memória dela essa pequena conversa.

- Quero perguntar a Blakely antes que Patch faça isso. - Disse.

- Não pode. Temos um plano e temos que seguir.

Marcie encolheu os ombros em um gesto realmente presunçoso.

- Veremos.

Mentalmente, respirei fundo. E sufoquei o impulso de apertar os dentes. Era

hora de ensinar a Marcie que ela não mandava.

- Se você se meter, você vai sofrer.

- Você realmente acha que Blakely tem alguma informação sobre a morte do

meu pai? - Perguntou Marcie, pousando seus olhos em mim, calculando, de maneira

quase perspicaz.

Meu coração bateu rápido, mas mantive minha expressão sobre controle.

- Espero que essa noite possamos averiguar isso.

- E agora? - Disse Marcie.

- Agora vamos caminhar por aqui tratando de não chamar atenção.

- Fale por você. - Disse Marcie bufando.

Bem, talvez isso esteja certo. Ela era fantástica. Era bonita e irritantemente

segura de si mesma. Tinha dinheiro, e mostrava tudo, desde seu bronzeado de salão ao

seu sutiã Push-up. Uma miragem da perfeição. A medida que subíamos as escadas, os

olhos das pessoas se moviam na nossa direção, mas nenhum deles me viam.

Pensa em Blakely, me ordenei. Tem coisas mais importantes pra se

preocupar do que com a inveja.

Caminhamos a grandes avanços pela escada, passando os banheiros e

atravessando em círculos o campos de futebol, indo para a sessão de visitantes. Para o

meu desgosto, vi o detetive Basso no uniforme habitual no alto da fila do terraço,

olhando o tumulto com dificuldade, com seus olhos desconfiados. Seu olhar caiu

direto em mim, e duvida se aprofundou na sua expressão.

Lembrando da estranha sensação a duas noites atrás, agarrei o cotovelo de

Marcie, e a forcei a ir para outrs direção comigo.

Não poderia acusar Basso de me seguir, estava claramente na área, mas isso

não significava que quisesse ser objeto de piada por mais tempo.

Dei a volta ao longo do caminho e Marcie e eu caminhamos. As arquibancadas

estavam cheias, já estava de noite, o jogo já havia começado e separei de Marcie a

multidão de admiradores masculinos, não acreditava que tínhamos chamado atenção

indesejada, mesmo estando no lugar por somente 30 min.

- Isso está ficando chato. - Marcie reclamou. - Estou cansada de andar, caso

você não tenha notado, estou usando botas de salto.

Não é problema meu! Eu quiz gritar. Em troca disse: - Quer encontrar Blakely

ou não?

Ela bufou, e o som contraiu os meus nervos.

- Uma caminhada mais e logo vamos ter terminado.

Já está na hora! Pensei.

Voltamos para a seção de estudantes, senti uma estranha cosquinha na minha

pele. Automaticamente eu girei, buscando a origem da sensação. Alguns homens

percorriam na escuridão de fora da alta cerca que rodeava o estádio, colocando seus

dedos nas cercas. Homens que não haviam comprado ingresso, mas queriam ver o

jogo. Homens que preferiam ficar na escuridão a mostrar suas caras nas luzes do

estádio. Um homem em particular, magro e alto apesar da maneira como abaixava os

seus ombros, chamou minha atenção. Uma vibração de energia não humana saia dele,

sobrecarregando meu sexto sentido.

Continuei andando mais disse a Marcie: - Olha por ali, algum dos homens de lá

se parece com Blakely?

A seu favor, Marcie se limitou olhar com um pequeno movimento dos olhos.

- Acho que sim. No meio. Aquele que está com os ombros curvados. Esse pode

ser ele.

Era toda a confirmação que precisava. Caminhei por uma parte curva da pista,

peguei o meu celular e liguei.

- Encontramos ele. - Eu disse a Patch. - Está no lado norte do estádio, por fora

da cerca. Está usando jeans e um suéter cinza de Razorbill. Tem alguns homens em

volta, mas não acho que estejam com ele. Só estou sentindo um Nephil, e é a mesma

pessoa.

- Já estou indo. - Disse Patch.

- Veremos você na cabana.

- Vai devagar. Tenho muitas perguntas pra Blakely. - Ele disse.

Tinha parado de escutar, Marcie não estava mais do meu lado.

- Ai, não. - sussurrei, de repente me sentindo meio pálida. - Marcie estćorrendo

na direção de Blakely, tenho que ir! - Saí correndo atrás dela.

Marcie estava quase na cerca e escutei sua voz aguda gritar.

- Sabe quem matou meu pai? Me diz o que você sabe!

Muitos palavrões saíram juntos com a sua pergunta, imediatamente Blakely deu

a volta e escapou.

Com determinação, Marcie escalou a cerca, deslizando e lutando antes de

balançar suas pernas sobre ela, e saiu atrás de Blakely na passagem escura no túnel

entre o estádio e a escola.

Alcancei a cerca um minuto depois, e fui colocando meus sapatos entre os

buracos sem diminuir a velocidade e saltei por cima. Só percebi as expressões de

surpresa dos homens em volta. Poderia tentar apagar as suas memórias, mas não tinha

tempo. Corri atrás de Blakely e Marcie, prestando atenção a escuridão enquanto

avançava, feliz que a minha visão estivesse mais nítida do que quando eu era humana.

Senti Blakely mais a frente. E Marcie também, ainda que seu poder fosse muito

mais fraco. Como seus pais era Nephilins de raça pura, ela tinha sorte de ter sido

concebida, e ainda mais sorte de ter nascida viva. Ela era Nephilim por definição, mas

eu tinha mais força que ela quando era humana.

Marcie! Eu disse na mente dela. Volta aqui agora!

Blakely saiu do meu radar. Não conseguia detectar ele. Parei, tentando sentir

mentalmente o caminho escuro através da passagem, tentando recuperar o rastro dele.

Ele tinha corrido pra tão longe tão rápido que tinha sumido do meu radar? Marcie?!

Falei outra vez.

E então eu a vi. De pé no outro extremo da passagem, com a luz da lua

iluminando a sua silhueta. Corri, tentando manter minha raiva sobre controle. Ela tinha

arruinado tudo, tínhamos perdido Blakely, e pior, agora ele sabia que estávamos atrás

dele. Não conseguia imaginar ele saindo para ver outra partida de futebol depois dessa

noite. Provavelmente ele tinha ido para o seu atual esconderijo secreto. Nossa única

oportunidade... desperdiçada!

- O que foi isso? - Exigi, espreitando Marcie. - Tínhamos combinado que Íamos

deixar Patch ir atrás de Blakely... - Minhas últimas palavras saíram lentas e roucas.

Engoli minha saliva. Estava vendo Marcie, mas alguma coisa nela estava horrivel e

terrivelmente mal.

- Patch está aqui? - Perguntou Marcie, só que não era a voz dela. Era baixa,

masculina e acidamente divertida. - Não fui tão cuidadoso quanto pensei.

- Blakely? - Perguntei, com a boca seca. - Onde está a Marcie?

- Oh, ela está aqui. Exatamente aqui. Estou possuindo o corpo dela.

- Como? - Mas eu já sabia. Devilcraft. Era a única explicação. Isso e o Cheshvan.

O único mês onde a posse de outro corpo era possível.

Passos eram ouvidos por trás de onde estávamos, e ainda na escuridão, vi os

olhos de Blakely se escurecerem. Ele se lançou pra cima de mim sem nenhum sinal. Se

moveu tão rápido, que não tive tempo de reagir. Me girou contra ele, me sustentando

em seu peito. Patch apareceu mais a frente, mas parou quando me viu parada contra

Marcie.

- Que aconteceu, anjo? - Perguntou em uma voz preocupada e incerta.

- Não dê uma palavra. - Sussurrou Blakely no meu ouvido.

Lágrimas brilharam nos meus olhos. Ele usava um braço para me segurar, mas

com o outro segurava uma faca, e a senti pressionada contra a minha pele, alguns

centimetros acima do meu quadril.

- Nem uma palavra. - Repetiu Blakely, com sua respiração no meu cabelo.

Patch parou, e pude ver a confusão em seu rosto. Ele sabia que algo estava

errado, mas não podia decifrar o que era. Ele sabia que eu era mais forte que Marcie e

poderia escapar se eu quisesse.

- Deixe a Nora ir. - Patch disse a Marcie, sua voz tranquila e cuidadosa.

- Não dê outro passo. - Ordenou Blakely a Patch, só que dessa vez fez a sua voz

soar como a de Marcie, aguda e tremula. - Tenho uma faca, e vou usar se realmente

tiver que fazer isso. - Blakely expos a adaga para mostrar que estava falando sério.

Devilcraft. Falou Patch na minha mente. Eu posso sentir em todas as partes.

Toma cuidado! Blakely está possuindo o corpo de Marcie. Tratei de dizer, mas

meus pesamentos foram bloqueados. De alguma maneira Blakely estava cubrindo eles.

Era como se eu tivesse gritando para uma parede. Ele parecia ter completo e absoluto

controle sobre o Devilcraft, usando como uma arma que não poderia ser parada e

altamente adaptável.

Do canto do olho, vi Blakely levantar a faca. A lâmina brilhava em um tom azul.

Antes que pudesse piscar, ele enfiou a faca do lado do meu corpo, e foi como se eu

tivesse sido empurrada pra um forno em chamas.

Desmoronei, tentando gritar e chorar de dor, mas estava tão chocada que não

conseguia emitir nenhum som. Me retorci no chão, querendo tirar a faca, mas cada

músulo do meu corpo estava paralisado por uma grande agonia.

A próxima coisa que vi, foi Patch ao meu lado, pronunciando muitas palavras

ruins com o medo aflorando em sua voz. Ele tirou a faca. E eu gritei, o som me

destruindo de detro pra fora. Escutei Patch dando ordens, mas as palavras se partiam

em dois, insignificantes em cmparação com a dor que torturava cada parte do meu

corpo. Estava ardendo, as chamas queimando de dentro para fora. O calor era tão

forte, grandes tremores convulsivos faziam com que eu me retorcesse e me

chivoteavam contra a minha vontade.

Patch me levantou em seus braços. Vagamente notei que ele estava correndo

para fora da passagem. O som dos seus passos fazendo eco nas paredes foi a ultima

coisa que eu escutei.

CAPÍTULO

14

EU ACORDEI COM UM ESTALO, INSTANTANEAMENTE TENTANDO ME situar. Eu estava

numa cama vagamente familiar, em um quarto escuro que cheirava a terra e calor.

Um corpo estava deitado ao meu lado, e se agitava.

— Anjo?

— Eu estou acordada — eu disse, sentindo uma inundação de alívio sabendo que

Patch estava ao meu lado. Eu não sabia por quanto tempo eu havia dormido, mas

eu me sentia segura aqui na casa dele, com ele cuidando de mim. — Blakely estava

possuindo o corpo da Marcie. Eu não o senti e caminhei direto até ele sem nem ter

ideia de que era uma armadilha. Eu tentei te avisar, mas Blakely me colocou em

algum tipo de bolha, minha conversa mental ficava retornando para mim.

Patch assentiu, colocando um cacho solto atrás da minha orelha.

— Eu o vi saindo do corpo da Marcie e fugindo. Marcie está bem. Chocada, mas

bem.

— Por que ele tinha que me esfaquear? — eu disse, fazendo uma careta de dor,

enquanto levantava o meu suéter para ver a ferida. Meu sangue Nephilim já deveria

ter me curado a essa altura, mas a ferida continuava fresca e lançava uma

tonalidade azulada.

— Ele sabia que, se você fosse ferida, eu ficaria ao seu lado em vez de ir atrás dele.

Mas isso vai custar caro para ele — Patch disse, sua mandíbula dura. — Quando te

trouxe até aqui, todo o seu corpo estava irradiando uma luz azul, da cabeça aos

pés. Você parecia estar em coma. Eu não conseguia alcançá-la, nem mesmo

mentalmente, e isso me deixou aterrorizado. — Patch me puxou mais para perto

dele, enrolando seu corpo no meu de modo protetor, me apertando quase forte

demais, e foi quando eu soube o quanto ele estava preocupado.

— O que isso significa para mim?

— Eu não sei. Mas não pode ser coisa boa você ter tido artes do mal introduzidas à

força em seu corpo por duas vezes agora.

— Dante bebe isso diariamente. — Se ele estava bem, eu ficaria bem também. Ou

não? Eu queria acreditar nisso.

Patch não disse nada, mas eu tinha uma boa ideia para onde seus pensamentos

estavam indo. Como eu, ele também sabia que deveria haver efeitos colaterais por

ingerir artes do mal.

— Onde está Marcie? — Eu perguntei.

— Eu alterei a memória dela para ela não ser capaz de lembrar que me viu essa

noite, e fiz Dabria levá-la para casa. Não me olhe desse jeito. Eu estava com poucas

opções, e tinha o número de Dabria no celular.

— É isso que me deixa preocupada! — Eu imediatamente estremeci quando a

minha forte reação fez meu ferimento latejar.

Patch abaixou a cabeça para beijar a minha testa, rolando os olhos enquanto o

fazia.

— Não me faça falar de novo para você que eu não tenho nada com a Dabria.

— Ela não superou você.

— Ela está fingindo que sente algo por mim para maltratar você. Não torne as

coisas fáceis para ela.

— Não chame ela para pedir favores como se ela fosse parte do time — retruquei.

— Ela tentou me matar, e ela roubaria você de mim num piscar de olhos se você

permitisse. Não importa quantas vezes você negue. Eu vi bem o jeito como ela olha

para você.

Patch parecia ter uma resposta na ponta da língua, mas ele forçou-se a engoli-la e

rolou de modo agitado para fora da cama. Sua camiseta preta estava amassada, o

cabelo despenteado, o que fazia ele parecer um perfeito pirata.

— Posso pegar algo para você comer? Beber? Eu estou me sentindo inútil e isso

está me deixando louco.

— Você pode ir atrás de Blakely já que quer fazer alguma coisa — eu disse

secamente. O que seria necessário para tirar Dabria das nossas vidas de uma vez

por todas?

Um sorriso que era igualmente desonesto e verdadeiramente sinistro tomou conta

da expressão de Patch.

— Não precisaremos encontrá-lo, ele virá até nós. Ele deixou a faca para trás

quando fugiu. Ele sabe que a temos, e ele sabe que isso é uma evidência que eu

posso usar para provar aos arcanjos que ele está usando artes do mal. Ele vai vir

buscar a faca. Logo.

— Vamos entregá-lo agora para os arcanjos. Deixe que eles se preocupem em

como erradicar as artes do mal.

Patch começou a soltar uma risada, mas não era de toda animada.

— Eu já não confio mais nos arcanjos. Pepper Friberg não é o único ovo podre. Se

eu entregar isso para eles, eu não terei qualquer garantia de que eles vão cuidar

dessa bagunça. Eu costumava pensar que os arcanjos eram incorruptíveis, mas eles

têm feito um ótimo trabalho me convencendo do contrário. Eu os vi mexer com a

morte, desviar o olhar quando se tratava de delitos graves nas leis, e me punirem

por crimes que não cometi. Eu errei, e paguei por eles, mas eu suspeito que eles

não vão desistir enquanto não me trancafiarem no inferno. Eles não gostam de

oposição, e essa é a primeira palavra que vem a mente deles quando pensam em

mim. Dessa vez eu vou resolver tudo com minhas próprias mãos. Blakely vai vir

atrás de sua faca, e quando ele chegar, eu vou estar preparado.

— Eu quero ajudar — eu disse imediatamente. Eu queria derrubar o Nephil que foi

burro o suficiente para me esfaquear. Blakely estava ajudando o exército Nephilim,

mas eu o estava liderando. Embora eu considerasse suas ações severamente

desrespeitosas, alguns até mesmo considerariam isso como uma traição. E eu sabia

com certeza que, na raça Nephilim, traidores não são bem vistos. Patch fixou os

olhos em mim, me estudando silenciosamente, como se estivesse julgando a minha

capacidade de ficar contra Blakely. Para a minha profunda satisfação, ele deu um

aceno de cabeça.

— Tudo bem, Anjo. Mas uma coisa de cada vez. O jogo de futebol americano

terminou há duas horas, e a sua mãe deve estar se perguntando onde você está.

Hora de ir para casa.

As luzes estavam desligadas na casa da fazenda, mas eu sabia que minha mãe não

iria dormir sem que eu chegasse em casa. Eu bati suavemente na porta do quarto

dela, abri-a, e sussurrei para a escuridão:

— Estou em casa.

— Divertiu-se? — Ela perguntou, bocejando.

— O time jogou muito bem — eu disse, evasiva.

— Marcie chegou em casa algumas horas atrás. Ela não comentou muita coisa,

apenas foi direto para o quarto e fechou a porta. Ela parecia... quieta. Chateada,

talvez. — Houve uma sugestão investigativa no seu tom.

— Provavelmente TPM. — Provavelmente ela estava fazendo o impossível para não

ter um ataque completo de pânico. Eu tinha sido possuída antes, e não há palavras

que possam descrever o quanto isso era violador. Mas eu não estava me sentindo

particularmente simpática. Se Marcie tivesse feito o que eu pedi, nada disso teria

acontecido.

No meu quarto, eu tirei as minhas roupas e examinei de novo meu ferimento. A

tonalidade azul elétrica estava desaparecendo. Lentamente, mas mesmo assim

estava desaparecendo. Tinha que ser um bom sinal.

Eu tinha acabado de me deitar na cama quando ouvi uma batida leve na porta.

Marcie abriu e ficou parada na entrada.

— Eu estou enlouquecendo — ela disse, e realmente parecia que estava.

Eu fiz sinal para ela entrar e fechar a porta.

— O que aconteceu lá? — ela exigiu, com a voz embargada. Seus olhos encheram

de lágrimas. — Como ele entrou no meu corpo assim?

— Blakely te possuiu.

— Como você pode estar tão calma com isso? — ela gritou baixinho. — Ele estava

vivendo dentro de mim. Como uma espécie de... parasita!

— Se você tivesse deixado eu lidar com Blakely como nós combinamos, nada disso

teria acontecido. — Assim que disse isso, eu me arrependi por ter soado tão

insensível. Marcie tinha feito algo estúpido, mas quem era eu para julgar? Eu tinha

feito minha parcela de decisões impulsivas. Pega de surpresa, ela tinha reagido. Ela

quisera saber quem tinha matado o pai dela, e quem poderia culpá-la por isso?

Certamente eu não.

Eu suspirei.

— Sinto muito, eu não quis dizer isso.

Mas já era tarde de mais. Ela me deu um olhar ferido e foi embora.

CAPÍTULO

15

EU ACORDEI COM UM SOLAVANCO. DANTE ESTAVA INCLINADO ACIMA DA MINHA cama,

suas mãos paradas sobre o meu ombro.

— Bom dia, raio de sol.

Eu tentei me afastar, mas seus braços me mantiveram presa.

— É sábado — eu protestei, cansada. Os treinamentos estavam indo bem, mas eu

mereceria um dia de folga.

— Eu tenho uma surpresa para você. Uma das boas.

— A única surpresa que eu quero é ter mais duas horas de sono. — Na janela eu vi

que o céu ainda estava totalmente escuro, e eu duvidava que já tivesse passado das

cinco e meia.

Ele puxou meus lençóis e eu guinchei, tentando agarrá-los às cegas.

— Você se importa?!

— Bonito pijama.

Eu estava usando uma camiseta preta que tinha pegado do armário do Patch, e ela

não chegava nem a metade das minhas cochas.

Tentei puxar a camiseta para cobrir as partes visíveis enquanto, simultaneamente,

puxava os lençóis mais para cima.

— Ok — cedi em um acesso de raiva. — Te encontro lá fora.

Depois de vestir minhas roupas de corrida e calçar meus tênis, eu marchei para

fora. Dante não estava na frente da garagem, mas eu podia senti-lo nas

proximidades, e tinha quase certeza de que ele estava perto da floresta do outro

lado da rua.

Sem dúvida, também, Dante havia trazido um amigo. Só que, pela aparência de seu

amigo (dois olhos roxos, um corte no lábio, uma mandíbula inchada, e um galo

enorme e com uma aparência horrível em sua testa), parecia que os dois não

pareciam muito amigáveis.

— Você o reconhece? — Dante perguntou alegremente enquanto segurava o

Nephil ferido pela nuca para eu poder avaliá-lo.

Eu me aproximei, incerta de que tipo de jogo Dante estava jogando.

— Não. Ele foi muito espancado. Você fez isso com ele?

— Tem certeza de que esse lindo ladrãozinho não te parece familiar? — Dante

perguntou de novo, segurando o queixo do Nephil de um lado ao outro,

claramente se divertindo. — Ele estava se esbanjando sobre você ontem à noite. Ele

se gabava de ter dado uma bela surra em você. É claro que com isso ele conseguiu

minha atenção. Eu disse a ele que era impossível. Mas se ele tivesse feito isso, bem

só vamos dizer que eu não tolero esse tipo de comportamento de um Nephil para

com seus superiores, especialmente com a comandante do exercito de Mão Negra.

— Toda a leveza desapareceu do rosto de Dante, e ele olhou o Nephil ferido com

claro desprezo.

— Era uma brincadeira — disse o Nephil amargamente. — Eu pensei que nos

poderíamos ver o quanto ela estava sendo sincera sobre seguir a visão de Mão

Negra. Ela nem mesmo nasceu Nephil. Pensamos em dar a ela um gostinho do que

ela enfrentaria...

— Chapéu de Caubói? — eu soltei em voz alta. Seu rosto estava tão desfigurado

que eu não notei qualquer semelhança com o Nephil que me arrastou até a

cabana, me algemou a um poste, e me ameaçou, mas ouvindo sua voz, eu

reconheci quem ele era. Era definitivamente o Chapéu de Caubói. Shaun Corbridge.

— Brincadeira? — Dante riu amargamente. — Se é isso que você chama de

brincadeira, talvez você ache algo para rir quando descobrir o que vamos fazer com

você. — Ele bateu a cabeça do Chapéu de Caubói tão violentamente que ele caiu

de joelhos.

— Eu posso falar com você? — Pedi a Dante. — Em particular?

— Claro. — Ele apontou um dedo de advertência para o Chapéu de Caubói. —

Você se mexe, você sangra.

Depois de ter certeza que saímos do campo de audição do Chapéu de Caubói, eu

disse:

— O que está acontecendo?

— Eu estava no Devil’s Handbag ontem à noite, e ouvi aquele bufão imbecil ali se

vangloriava de te usar como saco de pancada particular. No começo, eu pensei que

tinha escutado errado. Mais quanto mais ele falava, mais eu percebia que ele não

estava mentindo, de qualquer forma, modo ou maneira. Por que você não me

contou que alguns dos nossos soldados atacaram você? — Dante exigiu. Seu tom

não demonstrava raiva. Mágoa, quem sabe, mas não raiva.

— Você está me perguntando isso por que está preocupado em como isso afeta

meu comando, ou é por que está preocupado comigo?

Dante balançou a cabeça.

— Não fale isso. Você sabe que eu não estou pensando na sua popularidade. A

verdade é que eu parei de me preocupar com isso quase imediatamente depois de

te conhecer. Isso é sobre você. Aquele idiota ali colocou as mãos em você, e eu não

gosto disso. Nenhum pouquinho. Sim, ele deveria demonstrar respeito pela

comandante do exército ao qual ele pertence, mas é mais que isso. Ele deveria

respeitar você porque você é uma pessoa boa, e você está dando o seu melhor. Eu

vejo isso e quero que ele veja também.

Eu estava desconfortável com a honestidade e intimidade dele. Especialmente

depois do quase beijo que ele tentou me enganar a dá-lo. As palavras dele estavam

indo além do profissional, e era isso que nosso relacionamento era. E eu queria que

permanecesse assim.

Eu disse:

— Eu aprecio tudo que você disse, mas não acho que vingança fará ele mudar de

ideia. Ele me odeia. Muitos Nephilim odeiam. Essa pode ser uma boa oportunidade

de mostrar a eles que estão errados a meu respeito. Eu acho que devemos deixá-lo

ir e continuar com nosso treinamento.

Dante não pareceu balançado. De fato, ele parecia desapontado e talvez até

mesmo impaciente.

— Compaixão não é o caminho. Não dessa vez. Aquele imbecil ali só fará com que

a história dele ganhe mais força se você o deixar ir facilmente. Ele está tentando

convencer as pessoas de que você não serve para liderar o exército, e se você o

deixar ir assim, ele apenas provará isso. Castigue-o um pouco. Faça-o pensar duas

vezes antes de dar com a língua nos dentes ou te tocar de novo.

— Deixe-o ir. — Eu disse com mais firmeza. Eu não acreditava que violência se

resolvia com violência. Nem agora, nem nunca.

Dante abriu a boca para protestar, com o rosto um pouco vermelho, mas eu o

cortei.

— Eu não vou deixar pra lá. Ele não me machucou. Ele me levou até aquela cabana

porque estava assustado e não sabia o que fazer. Todos estão assustados. O

Cheshvan já começou, e nosso futuro está na balança. O que ele fez foi errado, mas

eu não posso descontar nele quando ele fez algo para acabar com seus medos.

Então abaixe o seu forcado e deixe-o ir. Eu falo sério, Dante.

Dante soltou um longo suspiro de desaprovação. Eu sabia que ele não estava feliz,

mas eu também acreditava que estava fazendo a coisa certa. Eu não queria por

mais fogo na fogueira da rivalidade do que eu já tinha posto. Se todos os Nephilim

iriam passar por isso, tínhamos que estar unidos nesse momento. Nós tínhamos

que estar dispostos a demonstrar compaixão, respeito e civilidade, mesmo quando

não concordávamos em tudo.

— Então é isso? — Dante perguntou, claramente insatisfeito.

Eu pus minhas mãos ao redor da minha boca para amplificar a minha voz.

— Você está livre para ir embora — gritei para o Chapéu de Caubói. — Me

desculpe por qualquer inconveniência.

Ele nos encarou com os lábios tortos em descrença, mas resolveu não abusar da

sorte e correu para dentro da floresta como se estivesse sendo perseguido por

ursos.

— Então — disse para Dante. — Que treinamentos cruéis você tem para mim hoje?

Correr uma maratona? Mover montanhas? Partir o oceano em dois?

Uma hora depois meus músculos dos braços e das pernas estavam quase entrando

em colapso por exaustão. Dante me pressionou arduamente em sofridos intervalos

de ginástica: flexões, puxadas, abdominais e batidas rápidas de pé. Nós estávamos

já no caminho de volta, pela floresta, quando eu subitamente ergui meu braço e

pus uma mão no peito de Dante. Coloquei um dedo sobre meus lábios, indicando

que era para sermos silenciosos.

A distância eu podia ouvir de leve o suave crepitar de passos.

Dante deve ter ouvido também. Veado? ele perguntou.

Eu espreitei os olhos ao olhar para as sombras. A floresta ainda estava obscura e as

árvores agrupadas de modo denso apenas diminuíam a minha visibilidade.

Não. O ritmo não parece certo.

Dante me tocou no ombro e apontou na direção do céu. De começo, eu não

entendi. Depois ficou claro. Ele queria que nós escalássemos as árvores, assim

poderíamos ter uma boa visão do problema que talvez estivesse vindo até nós.

Apesar da minha exaustão, eu escalei uma árvore de cedro branco sem barulho,

com alguns saltos experientes e colocando os pés nos lugares certos. Dante subiu

em uma árvore vizinha.

Nós não precisamos esperar muito. Momentos depois de subirmos para a

segurança, seis anjos caídos apareceram na clareira abaixo. Três homens e três

mulheres. Seus tórax nus eram marcados com um tipo estranho de hieróglifo que

se assemelhavam ligeiramente às pinturas que Patch tinha nos pulsos, e seus rostos

estavam pintados com uma cor vermelho sangue. O efeito era arrepiante, e eu não

consegui evitar pensar que eles me lembravam de guerreiros Pawnee. Um deles me

chamou a atenção, em particular. Um garoto magricela com olhos roxos. Seu rosto

familiar gelou o meu sangue. Eu lembrei da marcha selvagem dele no Devil’s

Handbag, e o modo como a mão dele brilhou. Eu lembrei da vítima dele. Eu

lembrei de como ela se parecia muito comigo.

Um rosnado feroz endureceu seu rosto, e ele espreitou as árvores com afinco. Seu

peito tinha uma ferida recente, pequena e circular, como se uma faca tivesse sido

usada cruelmente para tirar aquele pedaço de carne. Ele tinha um brilho frio e

implacável em seu olhar, e eu estremeci.

Dante e eu ficamos nas árvores até que eles foram embora. Quando voltamos para

a terra firme, eu disse:

— Como eles encontraram a gente?

Seus olhos pararam em mim, nebulosos e frios.

— Eles cometeram um grande erro vindo atrás de você desse jeito.

— Você acha que eles estavam espionando nós dois?

— Eu acho que alguém disse que estaríamos aqui.

— O magrelo. Eu já tinha visto ele antes, no Devil’s Handbag. Ele atacou uma

garota Nephilim que se parecia muito comigo. Você o conhece?

— Não. — Mas, para mim, parece que ele hesitou por um momento antes de

responder.

Cinco horas depois, eu tinha tomado banho e me vestido, tomado um café da

manhã saudável com ovos mexidos com cogumelos e espinafre, e, como bônus, eu

terminei toda a minha lição de casa. Nada mau, considerando que não era nem

meio dia.

No final do corredor, a porta do quarto da Marcie se abriu e ela emergiu lá de

dentro. O cabelo dela estava uma bagunça para todos os lados, e havia círculos

negros embaixo de seus olhos. Eu podia quase sentir o seu mau hálito matinal de

onde eu estava.

— Oi — eu disse.

— Oi.

— Minha mãe quer que nós tiremos as folhas do quintal, então é melhor segurar o

banho até que a gente termine.

As sobrancelhas de Marcie se juntaram.

— Como é que é?

— Tarefas de sábado — eu expliquei. Eu sabia que isso provavelmente era algo

novo para Marcie. E eu apreciava completamente ser eu aquela que ia ensinar um

pouco de trabalho duro para ela.

— Eu não faço essas coisas.

— Faz a partir do momento que veio morar aqui.

— Certo — disse Marcie relutante. — Me deixe tomar café da manhã primeiro e

fazer algumas ligações.

Em um dia normal, eu nunca pensei que veria a Marcie concordando tão

rapidamente, mas eu comecei a pensar que esse comportamento era uma desculpa

pela grande confusão que ela causou ontem à noite. Ei, eu podia viver com isso.

Enquanto a Marcie comia cereal como café da manhã, eu fui até a garagem achar o

equipamento. Eu já tinha limpado a metade do jardim quando um carro estacionou

na rua. Era Scott em sua Barracuda, que agora saía do carro. Ele estava usando uma

camiseta que destacava todos os seus músculos, e, para o bem da Vee, eu gostaria

de ter uma câmera.

— E ai, Grey? — ele disse. Puxou suas luvas de trabalho do bolso de trás e as vestiu.

— Eu vim ajudar. Coloque-me para trabalhar. Eu sou seu escravo por um dia. Tudo

bem que quem deveria estar aqui é o seu garoto, Dante. — Ele ficava me enchendo

por causa do Dante, mas eu não conseguia ter certeza se ele acreditava no meu

relacionamento ou não. Eu sempre notava sinais de ironia quando ele falava disso.

Mas, claro, eu sempre notava isso em uma em cada dez palavras que ele falava.

Debrucei-me sobre meu arado.

— Eu não entendo. Como você ficou sabendo sobre a limpeza do jardim?

— Pela sua nova melhor amiga.

Eu não tinha uma nova melhor amiga, mas eu tinha uma arqui-inimiga inoportuna.

Eu espremi meus olhos.

— A Marcie te recrutou? — Eu supus.

— Ela disse que precisava de ajuda com as tarefas. Ela é alérgica e não pode

trabalhar fora de casa.

— Total mentira! — E eu fui ingênua o suficiente para pensar que ela realmente iria

ajudar.

Scott pegou as ferramentas extras que eu coloquei na frente da varanda e veio me

ajudar.

— Vamos fazer uma grande pilha e te jogar nela.

— Isso não ajudaria em nada.

Scott sorriu e me deu um tapinha no ombro.

— Mas seria divertido.

Marcie abriu a porta da frente e saiu na varanda. Ela se inclinou sobre os degraus,

cruzando as pernas e se apoiando neles.

— Oi, Scott.

— Hey.

— Obrigada por vir ao meu resgate. Você é meu cavalheiro de armadura branca.

— Oh, vômito — eu disse, revirando meus olhos dramaticamente.

— A qualquer hora — Scott disse para ela. — Eu não podia recusar atormentar a

Grey. — Ele veio pelas minhas costas e jogou um maço de folhas dentro da minha

camiseta.

— Hey! — Eu gritei. Eu peguei um grande maço de folhas e joguei na cara dele.

Scott abaixou os ombros, movimentou-se em grande velocidade até mim, e me

jogou no chão, espalhando minha pilha organizada de folhas para tudo quanto era

lugar. Eu fiquei muito brava por ele ter destruído todo o meu árduo trabalho, mas

ao mesmo tempo eu não era capaz de parar de rir. Ele estava em cima de mim,

estufando minha camiseta com folhas, e também meus bolsos e as pernas da calça.

—Scott. — Eu disse entre as risadas.

— Arrumem um quarto — Marcie disse com uma voz entediada, mas eu podia ver

que ela estava irritada.

Depois de Scott finalmente me soltar, eu disse a Marcie:

—Que pena que você tem alergia. Limpar o quintal pode ser muito divertido. Eu

me esqueci de mencionar isso?

Ela me deu um olhar de desgosto profundo e marchou para dentro.

CAPÍTULO

16

DEPOIS QUE SCOTT E EU TÍNHAMOS COLOCADO TODAS AS FOLHAS EM

SACOLAS DE LIXO LARANJAS, , decoradas para parecerem abóboras, e colocamos

enfeitando o pátio, entramos para tomar um pouco de leite e os deliciosos biscoitos de

chocolate e menta da minha mãe. Pensei que Marcie tivesse ido para o quarto dela,

mas ao invés disso esla estava esperando por nśo na cozinha.

- Acho que deríamos fazer uma festa de Halloween aqui. - Anunciou.

Eu bufei e deixei o meu copo de leite.

- Não se ofenda, mas essa família não é muito fã de festas.

O rosto da minha mãe se iluminou.

- Acho que é uma idéia maravilhosa, Marcie. Não temos feito muitas festas aqui

desde que Harrison morreu. Posso passar na loja de fantasias mais tarde e ver o que

eles tem de decoração.

Olhei para Scott procurando por ajuda, mas ele simplesmente deu de ombros.

- Pode ser legal.

- Você tem um bigode de leite. - Eu disse, cortando ele.

Ele limpou com o dorso da mão.... e então, limpou a mão no meu braço.

- Eeeew! - Gritei, dando um empurrão no ombro dele.

- Acho que deveríamos ter um tema. Como casais famosos da história, e pedir

para todos virem em casais. - Disse Marcie.

- Isso já foi feito antes. - Disse a ela. - Tipo, um milhão de vezes!

- O tema deveria ser um personagem favorito dos filmes de Halloween. - Scott

disse com um sorriso sádico.

- Sério. Voltem pra cá. Todo mundo... se acalmem! - Disse sustentando minhas

mãos com um sinal de pare. - Mãe, você se dá conta de que teríamos que limpar toda a

casa, né?

Ela riu insultada.

- Acasa não está suja, Nora.

- Vai ser "traga sua própria cerveja" ou nós vamos bancar? - Perguntou Scott.

- Nada de cervejas. - Dissemos mamãe e eu juntas.

- Bom, eu gosto da idéia de casais famosos. - Disse Marcia, certamente depois

de tomar uma decisão. - Scott, deveríamos ir juntos.

Scott não perdeu a oportunidade.

- Poderia serMichael Myer e você uma das babás que multilam?

- Não. - Disse Marcie. - Iremos como Tristão e Isolda.

Mostrei a língua.

- Uma forma de ser original.

Scott chutou minha perna de brincadeira.

- Bom, oi, pequena senhorita feliz.

Acho que é muito sem sentido, estarmos planejando uma festa de

Halloween quando estamos no meio do Cheshvan, disse criticamente aos seus

pensamentos, os anjos caídos podem esperar sentados, mas não por muito tempo.

Nós dois sabemos que a guerra pode acontecer a qualquer momento e todo

mundo está esperando que eu faça alguma coisa a respeito. Então me perdoe se

eu pareço um pouco mal humorada.

Muito bem, contestou Scott, mas talvez a festa possa te ajudar a deixar de